sábado, 17 de novembro de 2012

" Deus e Marianne"

                                                       NILSON SOUZA Confesso que nunca tinha observado com atenção uma cédula do nosso atual dinheiro para perceber que Deus está lá. Agora que querem expulsá-lo, porém, tive o cuidado de olhar com lupa os trocados que carrego no bolso, para me certificar de que a Casa da Moeda não se esqueceu de imprimir a legenda de fé que acompanha a efígie simbólica da República – aquela enigmática senhora francesa de olhar cego e expressão de absoluto enfaro.

Se pudéssemos ler o pensamento da nossa Marianne – esse é o seu nome original –, provavelmente veríamos algo como “o que é que estou fazendo aqui outra vez?”. Ela tem sido chamada sistematicamente para chancelar as nossas turbulências monetárias: apareceu na cédula de 1 cruzeiro na década de 70, voltou como 200 cruzados novos no final dos anos 80, retornou nos 5 mil cruzeiros de Collor em 90 e reassumiu a titularidade na era do real, em todas as notas, a partir de 1994.

De vez em quando, é despejada para dar lugar a vultos da nossa história, políticos, escritores, artistas e até figuras regionais indefinidas. Já tivemos, por exemplo, um gauchão de bigode estampando a nota de 5 mil cruzeiros reais, de curta circulação. Pois bem, e Deus, o que está fazendo lá? Cópia, evidentemente. Os americanos lascaram “em Deus nós confiamos” no seu dólar, e nós, como bons súditos, tínhamos que fazer algo parecido. Saiu “Deus seja louvado”, que alguns irreverentes gostariam de ver corrigido para “Deus nos acuda”.

Seja como for, a expressão parece estar com os dias contados. A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, de São Paulo, ingressou com uma medida judicial exigindo que o Banco Central elimine a citação religiosa, sob o argumento de que o Brasil é um Estado laico. Vem aí outra polêmica nacional, como a que resultou na retirada dos crucifixos das repartições públicas.

Deus, como Marianne, certamente não será consultado. Se o fosse, aposto que não faria a mínima questão de assinar um papel que simboliza a ganância e a vilania, que compra consciências e motiva os mais hediondos crimes. Mas seu santo nome está lá, no que parece ser um evidente caso de falsidade ideológica e uma inquestionável afronta ao segundo mandamento de sua lei.

Marianne também é um nome santo e emblemático, conjugação de Maria com Anne, representação da República e do povo na França revolucionária. Sua imagem de pedra não evoca fé, mas valores humanos que, se fossem observados, dispensariam o uso indevido da proteção divina: liberdade, igualdade e fraternidade.

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