sexta-feira, 30 de novembro de 2012

" Morte - chá - e duas colheres de açúcar "

 



Sucesso em diversos países ao redor do mundo, “Café da Morte” chega a São Paulo
Jayd Kent tinha medo da morte. Pensava sobre o assunto três ou quatro vezes ao dia. Também temia que descobrissem sua fobia e a trancassem em um hospital psiquiátrico. Decidiu permanecer calada – até que, certo dia, descobriu um grupo que se reunia em cafés de Londres para discutir o assunto. Arriscou-se a contar sua história e recebeu, em troca, apoio e relatos semelhantes. E não se sentiu mais anormal.

"... existem três modos de encarar a vida:
como um recém-nascido,
um moribundo ou
uma pessoa de meia-idade."

A história acima é uma das favoritas de Jon Underwood, 40, ex-funcionário da prefeitura de Londres que, inspirado pela iniciativa do sociólogo suíço Bernard Crettaz, organizador de “Cafés da Morte” desde 2004, levou o evento à cidade inglesa. “A ideia é ajudar as pessoas a tomar consciência da finitude de suas vidas e, a partir disto, passar a aproveitá-las mais intensamente”, diz Underwood.

Em um ambiente informal e servidas de bolos e chá – “o açúcar ajuda a deixá-las mais confortáveis e relaxadas”, diz –, pessoas de variadas idades se encontram para debater o assunto. Além da Suíça e Londres, o modelo já acontece na França, Bélgica, Estados Unidos e Austrália.
 

Agora, o evento chega ao Brasil: o Espaço Revista CULT, em São Paulo, sedia o primeiro encontro, coordenado pelo filósofo Juliano Pessanha. “Acho interessante a discussão. Falar da morte é um tabu, as pessoas preferem esquecer que ela existe”, diz.

Para ele, existem três modos de encarar a vida: como um recém-nascido, um moribundo ou uma pessoa de meia-idade. “Enquanto os dois primeiros se equivalem por possuírem o encantamento, o outro não tem consciência de sua condição passageira na Terra e, portanto, tende a não dar valor às pequenas experiências cotidianas”.
------------------
Reportagem por Helder Ferreira
Fonte: http://revistacult.uol.com.br/home/2012/11/morte-cha-e-duas-colheres-de-acucar/

Sensacional entrevista,vale reler...e saber !!! < perdemos nossa relevância política no continente>

Perdemos nossa relevância política no continente"




Por Cristian Klein | De São Paulo
Ana Paula Paiva/Valor / Ana Paula Paiva/Valor

Fernando Henrique Cardoso:
"Nosso modo de exercer liderança tem sido concordar, não tem sido dizer 'não, isso não'"

O Brasil só exerce liderança com seus vizinhos cedendo. E deixou de ser o ator mais influente na América do Sul, que vive um momento de fragmentação, com a criação de um terceiro novo bloco por países da região, a Aliança do Pacífico. A opinião do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso contrasta com a imagem de um Brasil que passou a ser um global player e ganhou relevância na comunidade internacional, durante o mandato de seu sucessor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Houve muita retórica. Quando você é global player não tem que bater tanto no peito dizendo que é", afirma FHC.

Fernando Henrique reconhece que o país ganhou peso, mas isso não implicou em aumento na capacidade de liderança. Entre as razões está a dificuldade, de vários atores - Estado, empresariado, sociedade civil organizada - em discutir uma maior liberalização da economia e se aproximar dos Estados Unidos. A seguir, os principais trechos da entrevista que FHC concedeu ao Valor, depois de participar do seminário "A liderança do Brasil na América do Sul":

Valor: O Brasil erra ao privilegiar as relações Sul-Sul em sua política externa?
Fernando Henrique Cardoso: Não é equívoco, tem que haver a Sul-Sul, o problema é acentuar exclusivamente. O Brasil é um grande país. É do interesse nacional ter uma diversificação nas suas relações econômicas e políticas. Agora, se concentrar em um dos polos, complica. Tem que ter um certo equilíbrio. O Brasil, além do mais, é industrializado. Não há nenhum outro país ao Sul do Equador com a base industrial igual à nossa. Isso implica que temos que ter um vínculo com a invenção e a criatividade tecnológica, o que nos leva necessariamente a ter relação com os produtores disso: Alemanha, Estados Unidos, mais tarde China, não podemos nos isolar desse fluxo de inovação.

Valor: E quais seriam as consequências da concentração no polo Sul-Sul?
FHC: Um certo descaso com o mundo, com os Estados Unidos, com a Europa. A nossa produção industrial manufatureira basicamente vai para a América Latina e para os Estados Unidos. Não vai para China, não vai para Europa. Agora, vai também para os países árabes, isso é uma coisa importante. O [Jorge] Gerdau colocou aí: no limite, ele perguntou: será que não precisamos de uma integração mais ampla, mais global? No fundo é o seguinte: será que o Chile quando tomou a decisão de uma integração global - que parecia, para nós brasileiros, uma coisa arriscada e sem efeito - não teria se antecipado àquilo que todos vão ter que fazer se quiserem estar à tona? Claro o Brasil é diferente. O Chile não tem a vantagem nem o peso de ter uma indústria grande. Nós temos mais complicações para fazer aberturas. Agora, será que, dado nosso grau de avanço, nós já não temos condições de realmente liberalizar mais? E ganhar com isso, pelas nossas vantagens competitivas? Aí vem outra pergunta: para isso não podemos continuar do jeito que estamos, pois nosso setor industrial está perdendo relativo espaço pela produtividade, e produtividade entendida como custo Brasil. Para o Brasil poder dar um passo maior na sua integração à economia global, ele precisa fazer mais reformas, ou não vale a pena, não tem condição de competir.

Valor: Quais são as reformas necessárias?
FHC: As que todo mundo fala, acho que a Gerdau resumiu bem. Em primeiro lugar é educação; em segundo é logística; em terceiro lugar é investir pesadamente em infraestrutura. Logística é parte da infraestrutura, mas prefiro citar como infraestrutura energética e tudo mais. Temos condições para tudo isso.

Valor: Destinar todos os recursos dos royalties do pré-sal para a educação, como defende hoje o governo federal, é uma boa saída?
FHC: Aí eu tenho uma posição um pouco divergente. Em desespero de causa, melhor que seja para a educação do que deixar indiscriminado, porque daí vai para gastos correntes. Eu acho que deveria ser uma parcela para educação. É muito dinheiro, você imagina... E educação não se resolve só com dinheiro; é com outras coisas mais. Quando tem muito dinheiro você pode pensar que resolveu o problema da educação; não vai, isso pode aumentar gastos correntes também. Como é que eu vou melhorar qualitativamente a educação e não simplesmente construir mais prédios? Agora, sem dúvida, é melhor que tenha gastos também com educação do que não ter limitação nenhuma de gasto, como ficou o projeto. O projeto como foi aprovado pelo Congresso foi o pior possível. Divide entre todos [Estados, União e municípios] e não dá restrição nenhuma.

Será que, dado nosso grau de avanço, nós já não temos condições de realmente liberalizar mais?"

Valor: Para que outras áreas poderiam ir os recursos?
FHC: Infraestrutura. Qual era a ideia da partilha? Era o modelo norueguês, que retira da circulação o lucro do petróleo, você o põe fora, porque o petróleo é um bem que se esgota, e tem que pensar nas gerações futuras. Esse foi o pretexto para fazer a partilha. Esqueceram disso. Uma parte do lucro tem que ser mesmo para um fundo soberano, pensando em duas coisas: gerações futuras e crise, amortecedor de problemas. A outra parte acho que seria razoável que se usasse em educação, inovação tecnológica e infraestrutura.

Valor: O senhor falou que o Brasil não é o Chile e que a dificuldade de mudança aqui se deve à indústria. Qual é o peso dos principais atores, como empresários e trabalhadores, nessa equação?
FHC: É grande, a dificuldade toda aí é que você tem que definir o interesse nacional, o interesse do Estado e do povo. Os empresários, claro, têm a legitimidade de puxar o quinhão para eles, mas a decisão não pode ser automaticamente para favorecê-los. Acho até que o governo atual está automaticamente favorecendo os empresários com as políticas do BNDES, com transferência de renda pesada em setores que não necessitam. Se você pegar fundo de petróleo para fazer isso, acho errado. Agora por outro lado, se você pegar isso e transformar tudo em gasto corrente, vai para o outro lado. É defender os interesses corporativos, de funcionários, sindicatos. Este, no Brasil, é um processo histórico, pesado, difícil. Reli o livro ["Os donos do poder", de 1958] do [Raimundo] Faoro, porque eu tinha que escrever um trabalho. É impressionante como ele já descreve todos esses processos. É claro que o peso do mercado hoje é maior do que ele imaginava ser possível. Mas de qualquer maneira ainda está muito presente a tradição corporativa, estamental. O estamento se choca com o interesse público.

Valor: E o que o senhor hoje faria diferente do que fez para a integração econômica do Brasil?
FHC: A nossa integração era basicamente o Mercosul, que estava baseada em fazer o seguinte: tarifa externa comum e intensificar o comércio - defesa comum e exportação dentro do bloco. Mas em vez de resultar numa efetiva liberalização, pelos direitos constituídos o que gerou foi um incremento das exceções, para manter o protecionismo, às vezes do Brasil e na maior parte das vezes da Argentina. Então isso levou, como leva atualmente, a choques grandes. Estava vendo ainda ontem um economista dizer que a queda do PIB do Brasil - porcentagem ridícula - se deve em grande parte à queda da exportação para Argentina. Então, fazer uma integração que nos leve a isso não foi bom resultado. Eu havia percebido isso e propus uma coisa que eles chamavam de Iirsa [Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana], que era uma outra coisa, independentemente de termos o Mercosul. Era fazer uma integração latino-americana baseada na logística, na integração dos eixos de energia, transporte, comunicações. Começou-se a fazer isso, mas virou Alba [Aliança Bolivariana para as Américas, formada por Venezuela, Bolívia, Equador, entre outros]. Virou muito mais uma retórica - embora tenha resultados concretos também. Acho que eu daria mais ênfase à Iirsa do que ao comércio, a investimentos conjuntos - nesses grandes blocos logísticos que permitissem a integração.

Valor: O que mais?
FHC: Nunca chegamos a discutir de verdade a Alca [Área de Livre Comércio das Américas], quando os americanos tinham interesse. Depois eles perderam o interesse, junto com o governo brasileiro, e fizeram acordos bilaterais com vários países aqui da América Latina. Nunca chegamos a pensar a fundo uma negociação com os Estados Unidos, sempre tivemos medo. Esse nós somos nós todos. O setor político por ideologia, muitas vezes; o setor empresarial por medo da competição; e o governo por ficar sem ter muita clareza, qual era o interesse do Brasil. Cozinhamos a Alca em banho-maria. Apesar de toda a gritaria que havia, nunca fizemos nada, não demos nenhum passo para fortalecer a Alca. Me pergunto: será que neste momento nós já não temos condições de pensar com mais liberdade? Não é fazer. É pelo menos perguntar: o que ganhamos e o que perdemos? Ficamos muito isolados no Mercosul. Não conseguimos fazer a relação do Mercosul com a Europa - eu tentei, mas não funcionou. Não fizemos a Alca e não avançamos tanto com nenhum outro bloco, nem com países. O Brasil tem um acordo automotivo com o México, um acordo de livre comércio com Israel ou algo semelhante e não sei com mais quem, se é que tem. Então, estamos muito desarmados. Como coincidiu de termos este boom na China, o boom das commodities, a questão perdeu relevância. No momento em que tiver uma diminuição dos fluxos favoráveis chineses, vai ter necessidade de ter outros mercados. E, aí?

Valor: Jorge Gerdau disse que a festa está boa, mas vai acabar.
FHC: Ele tem razão. Vai acabar. Acho que a gente poderia ter avançado mais, pelo menos para uma posição mais consistente a respeito: vamos ou não vamos? Ou vamos até certo ponto. Temos uma certa tendência histórica, por sermos um país grande, ao isolamento. Você quebra este isolamento só com relações com países menos poderosos que nós, alegando nos sentirmos confortáveis. Com o mais poderoso nos sentimos mais complexados. Achamos que, se vamos chegar perto, vamos perder.

Valor: A indefinição prejudica a liderança do Brasil na região?
FHC: O Brasil era naturalmente líder, hoje a coisa é mais complicada. O continente se dividiu. Há o Arco do Pacífico [com Chile, Peru, Colômbia e México], o Arco Bolivariano e o Mercosul [Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai]. O Brasil sempre teve a posição que o [ex-presidente da Bolívia] Carlos Mesa ressaltou, de conciliador, não de propriamente de quem impõe. Fomos perdendo espaço, não queremos assumir posição. Então de alguma maneira perdemos nossa relevância política no continente que era inconteste.

Nunca chegamos a pensar a fundo uma negociação
com os Estados Unidos, sempre tivemos medo"

Valor: Mas durante o governo Lula o país não ganhou projeção como um global player?
FHC: Na verdade, houve muita retórica. Quando você é global player não tem que bater tanto no peito dizendo que é. Eu não vou negar que o Brasil ganhou muita força, em função do seu crescimento, da democracia, da inclusão social. Então deu mais peso para o Brasil, isso é indiscutível. Agora, que tenhamos utilizado isso para exercer liderança é mais discutível. Não exercemos na América do Sul. É o caso da Bolívia: só exercemos liderança cedendo. Nosso modo de exercer liderança tem sido concordar, não tem sido dizer "não, isso não".

Valor: Nos últimos anos, a região foi dominada por vários governos de esquerda. Isso não poderia ter facilitado a integração?
FHC: É um exagero. O governo do Uruguai é considerado de esquerda, mas o comportamento não tem nada a ver com o da Venezuela. Tem uma afinidade sentimental, digamos assim, de setores de governos e partidos, mas não tem necessariamente na condição política.

Valor: O Brasil ainda carrega a herança do modelo de substituição de importações?
FHC: O país tem, um pouco tem. Qual era o ideal do passado? Aumenta a tarifa e dá juro mais barato, assegura o mercado. Com muitos setores empresariais ainda é isso o que o governo faz, de uma maneira ou de outra. Vai o BNDES e socorre; manda diminuir o imposto para aumentar a compra de automóvel para a indústria automobilística. É tópico, não era como antes. Mas é tudo assim, ainda tem muito da reverberação desse passado, com a ideia de que o Brasil para crescer tem que ficar isolado.

Valor: Mas outros países e blocos também não são protecionistas?
FHC: Isso não implica que você não tenha que defender seu interesse. Os americanos se defendem, a China também. O Brasil vai fazer isso sempre, em certas circunstâncias tem que fazer, só não pode ter medo de se abrir. Você não vai morrer porque é mais favorável a maior flexibilidade de mercado. Você se protege. Eu não sou um neoliberal, não é minha posição, eu não acho que o mundo se resolva ampliando o mercado e não dando papel ao Estado e à regulação. Tem que ser uma regulação inteligente, e quando você tem uma condição em que possa se dar ao luxo de competir, compete.

Valor: Qual é o papel do Estado?
FHC: Não existe nenhuma economia moderna sem o papel ativo do Estado, o resto é ideologia. Agora, você não pode confundir o papel ativo do Estado com impedir que a iniciativa privada e social existam. A relação entre Estado, sociedade e mercado não é um jogo em que alguém perde. Tem um jogo de ganha-ganha, desde que um entenda o papel do outro e colabore. Você não pode imaginar hoje que não haja regulação do Estado. Não pode imaginar que fundos públicos não possam ser utilizados para obras de infraestrutura; que você abdique do papel de condutor do Estado na política global do país.

Valor: Que direção pode ser tomada?
FHC: Por que não se pode fazer uma licitação aberta realmente? Mesmo que você tenha a Infraero, por que não abre outros setores? Minha posição com relação à Petrobras sempre foi essa: manter na mão do governo, porém compete. Banco do Brasil: mantém na mão do governo, porém compete. E dois, administra isso como empresa e não como repartição pública, ou seja, não deixe que o interesse partidário penetre nisso para impedir a gestão. O Banco do Brasil não precisa fechar, para que fechar? É até bom que exista. Em certos momentos é necessário - para baixar os juros foi importante. Agora não pode utilizá-lo como se fosse uma repartição pública, tem que respeitar os interesses de empresa. O papel do Estado é impedir isso também: tanto que o estamento e a corporação predominem quanto que os partidos penetrem lá e predominem.

Valor: Há quem pense que o modelo mais corporativista do Brasil tenha tido um efeito benéfico, ao isolar e proteger o país durante a crise internacional de 2008. O senhor concorda?
FHC: Eu sempre fui favorável a que o governo tenha instrumentos que permitam sua ação efetiva. O fato de termos ajudou nessa crise, principalmente de regulação e mesmo de ação. Eu acho que a economia brasileira, a economia francesa ou mesmo a economia alemã são mistas. Economia puramente capitalista, de mercado puro, tem nos Estados Unidos, com muita regulação, tem na Inglaterra, pode ter em um outro país europeu. Em geral não é assim. Em geral, há variedades de capitalismo. Não acho que o Brasil precise copiar o modelo anglo-saxão. Não pode, nós não somos anglo-saxões, nossa cultura não é.

Valor: Qual deveria ser o nosso modelo?
FHC: É o que estamos construindo. Agora, qual é... Aqui, às vezes, o Estado exagera. Nos Estados Unidos, o setor privado exagera.

" Decisões Morais " - Contardo Calligaris




Você está na posição ideal para pisar fundo e atropelar os dois assaltantes; você vai acelerar?
É uma da tarde, e você dirige uma caminhonete pelas ruas de São Paulo. De repente, você esbarra num carro parado; ao lado dele, dois motoqueiros; um dos dois enfia seu braço armado pelo vidro do motorista do carro; o assaltante ameaça e grita, ele pode atirar a qualquer momento, quer seja porque não estão lhe entregando o que ele pediu, quer seja porque não gostou do que lhe foi entregue, quer seja porque, simplesmente, ele está nervoso e a fim de matar.

Atrás de você e da cena do assalto, só buzinam os mais afastados, que não enxergam o que está acontecendo. Os mais próximos ficam paralisados, divididos entre o medo e a vergonha por não reagirem e por serem cidadãos de um lugar onde isso é possível e corriqueiro.

Você está na posição ideal para pisar fundo e atropelar os dois meliantes, antes que atirem ou que fujam, ganhando, mais uma vez, dos assaltados e de todos nós.

Você não vai acelerar. É por medo de que o assaltante evite seu carro e acerte você com um tiro? É por preguiça de se envolver com polícia e investigação? Ou receia que cúmplices e familiares dos criminosos se vinguem?

Tudo bem, imaginemos que seja noite funda: não há ninguém, só os assaltantes, os assaltados e você. Ninguém verá nada. Ainda assim, você não vai acelerar?

Talvez prevaleça em você a inibição que paralisa a muitos na hora de machucar um semelhante, mesmo odioso. Ou talvez você queira agir "segundo a lei". Mas você sabe que a lei contempla e admite a "legítima defesa de terceiro"? Tudo bem, sua única obrigação jurídica é acionar a autoridade competente: fique no seu carro e ligue para a PM, uma viatura chegará a tempo para interromper o assalto e proteger os assaltados -não é verdade?

Ok, você hesitou demais, um dos assaltados acaba de ser baleado. Juridicamente, você não tem responsabilidade por não ter agido. A lei não exige de ninguém que seja herói. Mas será que isso é verdade também da moral? Você vai dormir tranquilo?

Outro dilema. Agora, imagine que, exatamente na mesma cena, você seja o assaltado. A caminhonete do dilema anterior apareceu, atropelou os assaltantes e sumiu. O bandido para quem você entregou sua bolsa está no asfalto, numa poça de sangue. Você faz o quê? Chama uma ambulância e espera para dar depoimento? Ou recupera o que lhe foi roubado e vai embora?

Já escrevi aqui mais de uma vez: admiro a teoria dos estágios do pensamento moral, de Lawrence Kohlberg. Resumindo, com nosso exemplo: é inútil querer decidir se é mais moral jogar a caminhonete para cima dos ladrões ou se esconder atrás do volante.

O que importa é a razão de nossa escolha. Se decidirmos por medo da punição, por conformidade ou mesmo por respeito à lei, nossa conduta será moralmente medíocre. Se decidirmos segundo o que nos parece certo, em nosso foro íntimo, nossa conduta -seja ela qual for- será de uma qualidade moral superior.

Mais uma coisa: Kohlberg também mostrou que a gente não melhora moralmente à força de memorizar valores ou exemplos a seguir, mas destrinchando dilemas e ponderando como e por que agiríamos de uma maneira ou de outra.

Os dois dilemas que acabo de expor são extraídos de um filme excelente, que não me sai da cabeça, "Disparos", de Juliana Reis, em cartaz desde sexta passada.

"Disparos" acontece no Rio, embora seu roteiro seja, hoje, mais paulistano do que carioca. De qualquer forma, não perca o filme e não fuja do debate íntimo sobre o que você faria numa situação parecida (até porque as chances de viver uma situação parecida aumentam a cada dia).

O Senado acaba de incluir disciplinas de ética no currículo do ensino fundamental e médio. Espero que se evite a monumental estupidez de ensinar ética normativa, ou seja, de querer enfiar valores em nossas crianças -goela abaixo, como se fossem partículas consagradas.

Para crianças como para adultos, "aprender" ética significa aprimorar a disposição a pensar moralmente, ou seja, a capacidade de debater, em nosso foro íntimo, os enigmas complexos (e, muitas vezes, insolúveis) que a realidade nos apresenta. Como disse, essa disposição só melhora à força de encarar dilemas.

Sem esperar o mais que provável desastre do novo curso, podemos ir (e levar nossos adolescentes) ao cinema. "Disparos" é um filme perfeito para pesar a complexidade da vida urbana no Brasil, ou seja, para pensar o que significa sermos morais hoje, aqui, no lugar em que estamos vivendo.

ccalligari@uol.com.br

" A boa notícia: vestibular para jornalismo " de Jaime Cimenti

 

Jornalistas e jornais não se ligam muito em boas notícias. Preferem coisas mais fortes, catástrofes ou histórias esquisitas tipo o poste fazendo xixi no cachorro ou o mendigo dando dinheiro para os passantes. Nos últimos anos, ou décadas, o vestibular da Ufrgs tem uma notícia boa: o curso de Jornalismo é dos mais concorridos.

Este ano, só Medicina e Psicologia (diurno e noturno) têm mais candidatos por vaga que Jornalismo. São 18,32 candidatos por vaga. Os pais dos aspirantes ao Jornalismo talvez fiquem preocupados, mas não deixa de ser boa notícia tantos jovens estarem interessados numa profissão que tem problemas sérios de mercado de trabalho, salários modestos, questões ligadas à liberdade de imprensa e tal.

O fascínio pela mídia e pelo trabalho jornalístico é antigo, aqui e no resto do mundo. Certo que, especialmente este ano, com o mensalão e outros acontecimentos, a mídia cresceu quantitativa e qualitativamente, inspirando vocações, mas o fato é que encanta ver a gurizada indo atrás de sonhos, ideais e de uma função social importante como o Jornalismo. A meninada sabe das dificuldades mas não se deixa abalar.

Vai em frente. Não se entrega. Nos meios eletrônicos, impressos, onde for, os jovens querem dar sua contribuição, colocar sua impressão digital na história, fazer parte da caminhada da humanidade na busca de vida e mundo melhores, democracia, liberdade, ética e tantas outras coisas.

Claro, há quem pense em outras facetas da profissão e derive para caminhos tortuosos e jabás da vida. Mas acredito que a maioria dos vestibulandos pensa em empunhar as boas bandeiras do ofício, e isso dá esperança para todos nós. Sem jornalistas e mídias, o mundo não teria se desenvolvido tanto, tão rapidamente e tão livremente.

Sem jornalistas o mundo não teria tanta graça. Há quem diga “the price of sucess, is the press” ou quem tenha medo ou raiva de jornais e jornalistas. Normal. Há quem se irrite muito com determinadas notícias, com a liberdade de imprensa e resolva comprar um jornal só para si, para exercer poder. Há quem pense que jornalistas só devem divulgar boas notícias e prestigiar os que estão podendo.

Temos tudo, no mundo, inclusive países que ainda censuram a imprensa. Melhor é pensar nestes 916 jovens de cara limpa que estão atrás das 50 vagas de Jornalismo na Ufrgs e desejar-lhes sorte, alegria, garra, competência e força para enfrentar o futuro, que não vai ser mole.

Lembrar-lhes que tudo vale a pena quando a alma não é pequena, como disse o Fernando Pessoa.
Jaime Cimenti

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

" O caminho como arquétipo "

 



Leonardo Boff*

Tenho especial fascínio por caminhos, especialmente caminhos de roça, que sobem penosamente a montanha e desaparecem na curva da mata. Ou caminhos cobertos de folhas de outono, multicores e emtardes mortiças, pelos quais andava nos meus tempos de estudante, nos Alpes do sul da Alemanha. É que os caminhos estão dentro de nós. E há que se perguntar aos caminhos o porquê das distâncias, porquê, por vezes, são tortuosos, cansativos e difíceis de percorrer. Eles guardam os segredos dos pés dos caminhantes, o peso de sua tristeza, a leveza de sua alegria ao encontrar a pessoa amada.

O caminho constitui um dos arquétipos mais ancestrais da psiqué humana. O ser humano guarda a memória de todo o caminho perseguido pelos 13,7 bilhões de anos do processo de evolução. Especialmente guarda a memória de quando nossos antepassados emergiram: o ramo dos vertebrados, a classe dos mamíferos, a ordem dos primatas, a família dos hominidas, o gênero homo, a espécie sapiens/demens atual.

Por causa desta incomensurável memória, o caminho humano apresenta-se tão complexo e, por vezes, indecifrável. No caminho de cada pessoa trabalham sempre milhões e milhões de experiências de caminhos passados e andados por infindáveis gerações. A tarefa de cada um é prolongar este caminho e fazer o seu caminho de tal forma que melhore e aprofunde o caminho recebido, endireite o torto e legue aos futuros caminhantes, um caminho enriquecido com sua pisada.

Sempre o caminho foi e continua sendo uma experiência de rumo que indica a meta e, simultaneamente, ele é o meio pelo qual se alcança a meta. Sem caminho nos sentimos perdidos, interior e exteriormente. Mergulhamos na escuridão e na confusão. Como hoje, a humanidade, sem rumo e num voo cego, sem bússula e estrelas a orientar as noites ameaçadoras.

Cada ser humano é homo viator, é um caminhante pelas estradas da vida. Como diz o poeta cantante indígena argentino Atahulpa Yupanki, “o ser humano é a Terra que caminha”. Não recebemos a existência pronta. Devemos construí-la. E para isso importa rasgar caminho, a partir epara além dos caminhos andados que nos antecederam. Mesmo assim, o nosso caminho pessoal e particular nunca é dado uma vez por todas. Tem que ser construído com criatividade e destemor. Como diz o poeta espanhol António Machado: “caminhante, não há caminho, se faz caminho caminhando”.

"Cada ser humano é homo viator,
é um caminhante pelas estradas da vida.
Como diz o poeta cantante indígena argentino
Atahulpa Yupanki, “o ser humano é a Terra que caminha”. Não recebemos a existência pronta.
Devemos construí-la."

Efetivamente, estamos sempre a caminho de nós mesmos. Fundamentalmente, ou nos realizamos ou nos perdemos. Por isso, há basicamente dois caminhos como diz o primeiro salmo da Bíblia: o caminho do justo e o caminho do ímpio, o caminho da luz ou o caminho das trevas, o caminho do egoísmo ou o caminho da solidariedade, o caminho do amor ou o caminho da indiferença, o caminho da paz ou o caminho do conflito. Numa palavra: ou o caminho que leva a um fim bom ou o caminho que leva a um abismo.

Mas prestemos a atenção: a condição humana concreta é sempre a coexistência dos dois caminhos e o entrecruzamento entre eles. No bom caminho se esconde também o mau. No mau, o bom. Ambos atravessam nosso coração. Essa é o nosso drama que pode se transformar em crise e até em tragédia.

Como é difícil separar totalmente o joio do trigo, o bom do mau caminho, somos obrigados fazer uma opção fundamental por um deles: pelo bom embora nos custe renúncias e até nos traga desvantagens; mas pelo menos nos dá a paz da consciência e a percepção de fazermos o certo. E há os que optam pelo caminho do mal: este é mais fácil, não impõe nenhum constrangimento, pois vale tudo contanto que traga vantagens. Mas cobra um preço: a acusação da consciência e os riscos de punições e até da eliminação.

Mas a opção fundamental confere a qualidade ética ao caminho humano. Se optamos pelo bom caminho, não serão pequenos passos equivocados ou tropeços que irão destruir o caminho e seu rumo. O que conta realmente frente à consciência e diante d'Aquele que a todos julga com justiça, é esta opção fundamental.
Por esta razão, a tendência dominante na teologia moral cristã é substituir a linguagem de pecado venial ou mortal por outra mais adequada à unidade do caminho humano: fidelidade ou infidelidade à opção fundamental. Não se há de isolar atos e julga-los desconectados da opção fundamental. Trata-se de captar a atitude básica e o projeto de fundo que se traduz em atos e que unifica a direção da vida. Se esta opta pelo bem, com constância e fidelidade, será ela que conferirá maior ou menor bondade aos atos, não obstante os altos e baixos que sempre ocorrem mas que não chegam a destruir o caminho do bem. Este vive no estado de graça. Mas há também os que optaram pelo caminho do mal. Por certo passarão pela severa clínica de Deus caso acolherem misericórdia de suas maldades.

Não há escapatória: temos que escolher que caminho construir e como seguir por ele, sabendo que “viver é perigoso”(G. Rosa). Mas nunca andamos sós. Multidões caminham conosco, solidárias no mesmo destino acompanhadas por Alguém chamado:”Emanuel, Deus conosco”.
------------------------------
* Teólogo. Escritor.
Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com/2012/11/28/o-caminho-como-arquetipo/

" O sentido de ver a Terra de fora da Terra "

 



Leonardo Boff*
Os últimos séculos se caracterizaram por infindáveis descobertas: continentes, povos originários, espécies de seres vivos, galáxias, estrelas, o mundo subatômico, as energias originárias e ultimamente o campo Higgs, espécie de sutil fluido que pervade o universo; as partículas virtuais ao tocá-lo recebem massa e se estabilizam. Mas não havíamos descoberto ainda a Terra como planeta, como a nossa Casa Comum. Foi preciso que saíssemos da Terra para vê-la de fora e então descobri-la e constatar a unidade Terra-Humanidade.

Este é o grande legado dos astronautas que tiveram, por primeiro, a oportunidade de contemplar a Terra a partir do espaço exterior. Produziram em nós o que foi chamado de Overview Effect, vale dizer, “o efeito da visão de cima”. Belíssimos testemunhos de astronautas foram recolhidos por Frank White em seu livro Overview Effect (Houghton Mifflin Company, Boston 1987). Eles produzem em nós forte impacto e um grande sentimento de reverência, uma verdadeira experiência espiritual. Leiamos alguns testemunhos.

O astronauta James Irwin dizia:”A Terra nos recorda uma árvore de natal dependurada no fundo negro do universo; quanto mais nos afastamos dela, tanto mais vai diminuindo seu tamanho, até finalmente ser reduzida a uma pequena bola, a mais bela que se possa imaginar; aquele objeto vivo tão belo e tão caloroso parece frágil e delicado; contemplá-lo muda a pessoa, pois ela começa a apreciar acriação de Deus e a descobrir o amor de Deus”. Outro, Eugene Cernan, confessava:” Eu fui o último homem a pisar na lua em dezembro de 1972; da superfície lunar olhava com temor reverencial para a Terra num transfundo muito escuro; o que eu via era demasiadamente belo para ser apreendido, demasiadamente ordenado e cheio de propósito para ser fruto de um mero acidente cósmico; a gente se sentia, interiormente, obrigado a louvar a Deus; Deus deve existir por ter criado aquilo que eu tinha o privilégio de contemplar; espontaneamente surge a veneração e a ação de graças; é para isso que existe o universo”.

Com fina intuição observou Joseph P. Allen, outro astronauta:” Discutiu-se muito, os prós e os contras a respeito das viagens à lua; não ouvi ninguém argumentar que deveríamos ir à lua para poder ver a Terra de lá, de fora da Terra; depois de tudo, esta tem sido seguramente a verdadeira razão de termos ido à lua”.

Ao fazer esta experiência singular, o ser humano desperta para a compreensão de que ele e a Terra formam uma unidade e que esta unidade pertence a uma outra maior, à solar, e esta à outra ainda maior, a galáctica e esta nos remete ao inteirouniverso e o inteiro universo ao Mistério e o Mistério ao Criador.

"Nós humanos somos aquela porção da Terra
que sente, pensa,ama, cuida e venera."

“De lá de cima”, observava o astronauta Eugene Cernan,”não são perceptíveis as barreiras da cor da pele, da religião e da política que lá em baixo dividem o mundo.” Tudo é unificado no único planeta Terra”. Comentava o astronauta Salman al-Saud:“no primeiro e no segundo dia, nós apontávamos para o nosso país, no terceiro e quarto para o nosso continente; depois do quinto dia tínhamos consciência apenas da Terra como um todo”.

Estes testemunhos nos convencem de que Terra e Humanidade formam de fato um todo indivisível. Exatamente isso foi escrito por Isaac Asimov num artigo no The New York Times de 9 de outubro de1982 por ocasião dos 25 anos do lançamento do Sputnik que foi o primeiro a dar a volta à Terra. O título era:”O legado do Sptutnik: o globalismo”. Ai dizia Asimov:”impõe-se às nossas mentes relutantes a visão de que Terra e Humanidade formam uma única entidade”. O russo Anatoly Berezovoy que ficou 211 dias no espaço afirmou a mesma coisa. Efetivamente não podemos colocar de um lado a Terra e do outro a Humanidade. Formamos um todo orgânico e vivo. Nós humanos somos aquela porção da Terra que sente, pensa,ama, cuida e venera.

Contemplando o globo terrestre presente em quase todos os lugares, irrompe, espontaneamente em nós, a percepção de que apesar de todas as ameaças de destruição que montamos contra Gaia, o futuro bom e benfazejo, de alguma forma, está garantido. Tanta beleza e esplendor não podem ser destruídos. Os cristãos dirão: Esta Terra é penetrada pelo Espírito e pelo Cristo cósmico. Parte de nossa humanidade por Jesus já foi eternizada e está no coração da Trindade. Não será sobre as ruinas da Terra que Deus completará a sua obra. O Ressuscitado e seu Espírito estão empurrando a evolução para a sua culminância.

Uma moderna legenda dá corpo a esta crença: “Era uma vez um militante cristão do Greenpeace que foi visitado em sonho pelo Cristo ressuscitado. Este o convidou para passearem pelo jardim. O militante acedeu com grande entusiasmo. Depois de andarem por longo tempo, admirando a biodiversidade presente naquele recanto, perguntou o militante:”Senhor, quando andavas pelos caminhos da Palestina, disseste, certa feita, que voltarias um dia com toda a tua pompa e glória. Está demorando demais esta tua vinda!. Quando, finalmente, retornarás de verdade, Senhor? Depois de momentos de silêncio que pareciam uma eternidade, o Senhor respondeu:”Meu irmãozinho, quando minha presença no universo e na natureza for tão evidente quanto a luz que ilumina este jardim; quando minha presença sob a tua pele e no teu coração for tão real quanto a minha presença aqui e agora; quando esta minha presença se tornar corpo e sangue em ti a ponto de não mais precisares pensar nela; quando estiveres tão imbuído desta verdade que não mais perguntarás insistentemente como estás perguntando agora, então, meu irmãozinho querido, é sinal de que eu terei retornado com toda a minha pompa e com toda a minha glória”.
------------------------
* Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor

"" No fim do túnel "" de Marcelo Coelho *

 

 
Talvez prefiram acreditar em Deus. Mas o fato de ser preferível não torna alguma crença mais verdadeira

Militantes antirreligiosos fizeram circular uma mensagem audaciosa nos ônibus de Londres. "Provavelmente Deus não existe", diziam os cartazes. "Então, pare de se preocupar e aproveite a vida."

No livro "Unapologetic", publicado neste ano na Inglaterra, o escritor inglês Francis Spufford critica a iniciativa. Como assim, "aproveite a vida"? Em que mundo esses caras estão?

Imagine, diz ele, uma senhora de meia-idade, com sua sacola de compras do supermercado, voltando para casa, onde irá encontrar aquele que foi o homem de sua vida, agora tomado pelo mal de Alzheimer, que acaba de espalhar mais uma vez suas fezes pela parede.

Ou então imagine o garoto numa cadeira de rodas, com as pernas torcidas como um saca-rolhas pelos espasmos da doença, sem poder falar; ele é capaz apenas de teclar suas mensagens no computador, mas isso também está ficando cada vez mais difícil.

"Aproveite a vida?" Para Spufford, que responde ao ateísmo de Richard Dawkins e Christopher Hitchens, quem criou esse slogan é que vive no mundo da carochinha.

Adotou-se, diz ele, a mentalidade típica da publicidade comercial: todo mundo é feliz, saudável e bonito e, se aparece alguém de cabelo branco, é porque se trata de um daqueles anúncios de aposentadoria privada, em que há muita disposição para os prazeres da "melhor idade".
Spufford não é teólogo. Escreveu um romance de ficção científica e ensaios sobre a história da tecnologia. "Unapologetic", que poderia ser traduzido como "Sem Justificativa", ou "Sem Pedir Desculpa" (por ser cristão), traz argumentos muito amigáveis, dirigidos a quem não vê sentido no modo de vida religioso.

Como sou uma dessas pessoas, logo pensei numa resposta aos exemplos da mulher de meia-idade e do menino de cadeira de rodas. É cruel dizer-lhes para "aproveitar a vida". Mas também é duro dizer que um Deus misericordioso quer que essas desgraças lhes aconteçam.

Mesmo assim, talvez até prefiram acreditar em Deus. Mas o fato de ser preferível não torna alguma crença mais verdadeira.

Os argumentos a favor e contra podem estender-se, é claro. Constituem um dos principais temas de "Expresso do Pôr do Sol", peça do norte-americano Cormac McCarthy, em cartaz no Tucarena até 25 de novembro.

Ao longo de uma hora e pouco, dois excelentes atores (Cacá Amaral e Guilherme Sant'Anna) discutem bravamente a questão. Mais do que isso: Cacá Amaral, no papel de um professor universitário branco, acaba de ser salvo de se atirar da plataforma de um trem.

É um ex-presidiário negro, convertido ao cristianismo, quem o impede de se matar. No papel de "Black", Guilherme Sant'Anna é um anjo de astúcia e vitalidade, tentando desmontar a descrença furiosa de "White". Como bom ateu, o diálogo me pareceu desequilibrado a favor de uma ótica cristã. A peça mostra bem os motivos biográficos que fizeram o ex-presidiário abraçar a escolha "correta".

Os argumentos de "White" em favor do suicídio, entretanto, são impessoais e vagos. Ele declara, por exemplo, que toda sua fé na cultura e no progresso desapareceu "nas cinzas dos campos de extermínio"; sendo toda esperança de felicidade uma mentira, o melhor é se jogar na frente de um trem.
 
 

Evidentemente, nem todo ateu quer se jogar na frente de um trem. A moral da história seria outra: sem acreditar "em alguma coisa", você não consegue viver. O cristianismo pode ser essa "alguma coisa", e certamente "Black" é feliz com sua religião. Livrou-me de um monte de encrencas, diz o ex-presidiário. Certamente. Mas ainda falta escrever uma peça em que o ateu, vivendo feliz seu modesto destino, tenta tirar o religioso das encrencas em que ele se mete.

Imagine, por exemplo, um jovem homossexual que renega seu amor por outro homem simplesmente pelo fato de que sua religião não permite esse tipo de coisa. Ou a mãe que se recusa a abortar e gera um filho com grave deficiência, quando poderia ter outro normal numa gravidez posterior.

"Expresso do Pôr do Sol" não vai muito longe nesse tipo de debates, que naturalmente varariam a madrugada toda. De todo modo, para quem não está disposto a se atirar nos trilhos de um trem, não deixa de ser um bom ponto de partida para a discussão.
----------------------
* Colunista da Folha.
coelhofsp@uol.com.br

A melhor versão de nós mesmos



Martha Medeiros*
Alguns relacionamentos são produtivos e felizes. Outros são limitantes e inférteis. Infelizmente, há de ambos os tipos, e de outros que nem cabe aqui exemplificar. O cardápio é farto. Mas o que será que identifica um amor como saudável e outro como doentio? Em tese, todos os amores deveriam ser benéficos, simplesmente por serem amores. Mas não são. E uma pista para descobrir em qual situação a gente se encontra é se perguntar que espécie de mulher e que espécie de homem a sua relação desperta em você. Qual a versão que prevalece?

A pessoa mais bacana do mundo também tem um lado perverso. E a pessoa mais arrogante pode ter dentro de si um meigo. Escolhemos uma versão oficial para consumo externo, mas os nossos eus secretos também existem e só estão esperando uma provocação para se apresentarem publicamente. A questão é perceber se a pessoa com quem você convive ajuda você a revelar o seu melhor ou o seu pior.

Você convive com uma mulher tão ciumenta que manipula para encarcerar você em casa, longe do contato com amigos e familiares, transformando você num bicho do mato? Ou você descobriu através da sua esposa que as pessoas não mordem e que uma boa rede de relacionamentos alavanca a vida?

Você convive com um homem que a tira do sério e faz você virar a barraqueira que nunca foi? Ou convive com alguém de bem com a vida, fazendo com que você relaxe e seja a melhor parceira para programas divertidos?

Seu marido é tão indecente nas transações financeiras que força você a ser conivente com falcatruas?

Sua esposa é tão grosseira com os outros que você acaba pagando micos pelo simples fato de estar ao lado dela?

Seu noivo é tão calado e misterioso que transforma você numa desconfiada neurótica, do tipo que não para de xeretar o celular e fazer perguntas indiscretas?

Sua namorada é tão exibida e espalhafatosa que faz você agir como um censor, logo você que sempre foi partidário do “cada um vive como quer”?

Que reações imprevistas seu amor desperta em você? Se somos pessoas do bem, queremos estar com alguém que não desvirtue isso, ao contrário, que possibilite que nossas qualidades fiquem ainda mais evidentes. Um amor deve servir de trampolim para nossos saltos ornamentais, não para provocar escorregões e vexames.

O amor danoso é aquele que, mesmo sendo verdadeiro, transforma você em alguém desprezível a seus próprios olhos. Se a relação em que você se encontra não faz você gostar de si mesmo, desperta sua mesquinhez, rabugice, desconfiança e demais perfis vexatórios, alguma coisa está errada. O amor que nos serve e nos faz evoluir é aquele que traz à tona a nossa melhor versão.
 
-----------------
* Escritora. Cronista da ZH

" Aparições " de Roberto Damatta*

 



Roberto Damatta*

A democracia promove, sem cessar, aparições. Começa a ficar complicado para quem governa domesticar fantasmas. Os espíritos surgem naquilo que Tocqueville descobriu como sendo o espírito da vida democrática: a opinião pública. Esse poder inventado pela igualdade que ele chamava de força geradora da vida liberal.

Sem opinião pública, as aparições somem ou são controladas. Hitler e sua camarilha domesticavam o fantasma do projeto de extermínio de judeus e de categorias marginais como os deficientes, os ciganos e os homossexuais. Havia suspeição do extermínio, não a prova cabal que apareceu na derrocada do nazismo, em 1945, confirmando as atrocidades. O mesmo ocorreu com as torturas da ditadura militar. As torturas eram negadas, ninguém era responsável e até hoje há quem nelas não creia ou admita e, no entanto, tal como os fantasmas, elas existiram.

O fantasma é parente do boato, do banal "ouvi dizer" que serve como alerta, aviso ou premonição. Os antigos psicólogos sociais escreveram sobre o boato como um desejo secreto (a notícia da morte de uma figura pública repudiada, por exemplo); e pelo menos um antropólogo da minha decadente tribo - Max Gluckman - revelou como a intriga e o escândalo eram elementos fundamentais de controle social. De fato, a igualdade de todos perante a lei era uma fantasia no Brasil. Hoje, graças e uma imprensa livre que honra a reportagem investigativa, pois sabe que falcatruas jamais vão ser impressas no Diário Oficial da União, começamos a assistir ao julgamento e à condenação de poderosos membros do governo do PT. Se eles vão mesmo para a prisão é uma outra história, já que pelo menos um ministro do Supremo defende multas pecuniárias em vez de cadeia para crimes de "colarinho branco", essa excrecência jurídica nacional. Ademais, com a figura da prescrição, é possível que nós, o povo - as pessoas comuns, os governados -, tenhamos que indenizar os responsáveis pela politicalha do mensalão e adjacências cujos responsáveis já teriam cumprido suas penas. Os seus ilícitos seriam fuxicos, fantasias, fantasmas e projeções.

O fuxico é a fumaça, o fato que a concretiza é o fogo. Onde há fumaça, há fogo, diz-se confirmando uma perspectiva de plausibilidade humana sem a qual a vida social seria impossível. O fuxico é a fantasia que configura um ato antes de ele ocorrer ou surgir como fato, daí o seu poder controlador. O boato tem que ser tratado com cuidado, tal como se faz com as fantasias, porque certos eventos despertam o lado nosso vingativo. Inimigos políticos tendem a fuxicar com exagero. São inventores de fantasmas porque, muitas vezes, suas fantasias são como os 40 moinhos de vento que Dom Quixote via como gigantes. Quem não se lembra da campanha contra o Plano Real e a sua "herança maldita"? Mark Twain, cuja independência de pensamento causava inveja até mesmo na América dos livres e iguais, disse uma vez que as notícias (ou boatos) sobre sua morte eram muito exagerados.
Isso é suficiente para estabelecer o elo entre a projeção que aciona o desejo e a fantasia. O desejo de morte do inimigo surge antes de sua morte. O adversário vira um fantasma antes mesmo de ser enterrado.

O Brasil da era Lula está coalhado de fantasmas e, mais do que isso, de aparições. É o que leio nos jornais com pavor e vergonha. O julgamento do mensalão deixa ver melhor o queijo suíço de falcatruas, nomeações indevidas e das roubalheiras programadas desses tempos. A todo momento uma nova aparição, como é o caso da super-Rosemary Noronha, essa prova de um aparelhamento deslavado do estado pelo partido no poder que, obviamente, quer ser o poder. O partido que eu e milhões de brasileiros supúnhamos que iria liquidar esse estado provedor, mas ao mesmo tempo canalha, que sempre foi pai dos pobres e mãe dos ricos e, hoje, é a madrinha dos correligionários que, com ele e por meio dele, mas em nome do povo pobre, se tornam milionários!

O procurador-geral da República no seu libelo contra os mensaleiros deu uma medida precisa dos atos vergonhosos que fizeram. O fantasma tornou-se aparição e a aparição virou um cadáver que - espero - tenhamos a coragem de sepultar, ao lado dos crimes cometidos contra o espírito humano nos tempos da ditadura militar. Uma coisa tem uma óbvia ligação com a outra. E uma não pode ser tratada como fantasma (o mensalão) e a outra como verdade, ou vice-versa. Cabe a todos nós rasgar esse véu de uma histórica hipocrisia, sempre justificada pela fantasia dos elos pessoais: aos amigos o heroísmo de um passado que lhes permite tudo; aos inimigos o opróbio da falsidade e dos interesses ocultos. O Supremo liquidou essa lógica, colocando-a nos seus devidos termos. Todos, inclusive e principalmente os amigos, são também sujeitos da lei.

A aparição é como os boatos e fuxicos um exemplo da operação da opinião pública. Essa figura que, numa democracia, representa o todo e a alma de um país democrático. Esse modo de existir que não é mais um fantasma, mas uma realidade de nossas vidas.
--------------------------
* Antropólogo. Escritor. Colunista do Estadão

" Castells vê " expansão do não - capitalismo "

 



Culturas econômicas alternativas teriam sido reforçadas pela crise. Mas sociólogo adverte: sistema não entrará em colapso por si mesmo

O professor Manuel Castells é um dos sociólogos mais citados no mundo. Em 1990, quando os mais tecnologicamente integrados de nós ainda lutavam para conseguir conectar seus modens, o acadêmico espanhol já documentava o surgimento da Sociedade em Rede e estudava a interação entre o uso da internet, a contracultura, movimentos de protesto urbanos e a identidade pessoal.
Paul Mason, editor de notícias econômicas da rádio BBC, entrevistou o professor Castells na London School of Economics (Escola de Economia de Londres) sobre seu último livro, “Aftermath: The Cultures of Economic Crisis” (“Resultado: as Culturas da Crise Econômica”), ainda sem tradução para português.
Castells sugere que talvez estejamos prestes a ver o surgimento de um novo tipo de economia. Os novos estilos de viver dão sentido à existência, mas a mudança tem também um segundo motor: consumidores que não têm dinheiro para consumir.
São práticas econômicas não motivadas pelo lucro, tais como o escambo, as moedas sociais, as cooperativas, as redes de agricultura e de ajuda mútua, com serviços gratuitos – tudo isso já existe e está se expandindo ao redor do mundo, diz ele. Se as instituições políticas vão se abrir para as mudanças que acontecem na sociedade – é cedo para saber. Seguem trechos da conversa.

O que é surgimento de novas culturas econômicas?
Quando menciono essa Cultura Econômica Alternativa, é uma combinação de duas coisas. Várias pessoas têm feito isso já há algum tempo, porque não concordam com a falta de sentido em suas vidas. Agora, há algo mais — é a legião de consumidores que não podem consumir. Como não consomem — por não terem dinheiro, nem crédito, nem nada — tentam dar sentido a suas vidas fazendo alguma coisa diferente. Portanto, é por causa das necessidades e valores — as duas coisas juntas — que isso está se expandindo.
Você escreveu que as economias são culturais. Pode falar mais sobre isso?
Se queremos trabalhar para ganhar dinheiro, para consumir, é porque acreditamos que comprando um carro novo ou uma nova televisão, ou um apartamento melhor, seremos mais felizes. Isso é uma forma de cultura. As pessoas estão revertendo essa noção. Pelo contrário: o que é importante em suas vidas não pode ser comprado, na maioria dos casos. Mas elas não têm mais escolha porque já foram capturadas pelo sistema. O que acontece quando a máquina não funciona mais? As pessoas dizem “bem, eu sou mesmo burro. Estou o tempo todo correndo atrás de coisa nenhuma”.
 

Qual a importância dessa mudança cultural?
É fundamental, porque desencadeia uma crise de confiança nos dois maiores poderes do mundo: o sistema político e o financeiro. As pessoas não confiam mais no lugar onde depositam seu dinheiro, e não acreditam mais naqueles a quem delegam seu voto. É uma crise dramática de confiança – e se não há confiança, não há sociedade. O que nós não vamos ver é o colapso econômico per se, porque as sociedades não conseguem existir em um vácuo social. Se as instituições econômicas e financeiras não funcionam, as relações de poder produzem transformações favoráveis ao sistema financeiro, de forma que ele não entre em colapso. As pessoas é que entram em colapso em seu lugar.

A ideia é que os bancos vão ficar bem, nós não. Aí está a mudança cultural. E grande: uma completa descrença nas instituições políticas e financeiras. Algumas pessoas já começam a viver de modo diferente, conforme conseguem – ou porque desejam outras formas de vida, ou porque não têm escolha. Estou me referindo ao que observei em um dos meus últimos estudos sobre pessoas que decidiram não esperar pela revolução para começar a viver de outra maneira – o que resulta na expansão do que eu chamo de “práticas não-capitalistas”.

São práticas econômicas, mas que não são motivadas pelo lucro – redes de escambo, moedas sociais, cooperativas, autogestão, redes de agricultura, ajuda mútua, simplesmente pela vontade de estar junto, redes de serviços gratuitos para os outros, na expectativa de que outros também proverão você. Tudo isso existe e está se expandindo ao redor do mundo.

"Todos os estudos mostram que as pessoas que
são mais sociáveis na internet são também
mais sociáveis pessoalmente."

Na Catalunha, 97% das pessoas que você pesquisou estavam engajadas em atividades econômicas não-capitalistas.Bem, estão entre 30-40 mil os que são engajados quase completamente em modos alternativos de vida. Eu distinguo pessoas que organizam a vida conscientemente através de valores alternativos de pessoas que têm vida normal, mas que têm costumes que podem ser vistos como diferentes, em muitos aspectos. Por exemplo, durante a crise, um terço das famílias de Barcelona emprestaram dinheiro, sem juros, para pessoas que não são de sua família.
O que é a Sociedade em Rede?
É uma sociedade em que as atividades principais nas quais as pessoas estão engajadas são organizadas fundamentalmente em rede, ao invés de em estruturas verticais. O que faz a diferença são as tecnologias de rede. Uma coisa é estar constantemente interagindo com pessoas na velocidade da luz, outra é simplesmente ter uma rede de amigos e pessoas. Existe todo tipo de rede, mas a conexão entre todas elas – sejam os mercados financeiros, a política, a cultura, a mídia, as comunicações etc –, é nova por causa das tecnologias digitais.

Então, nós vivemos numa Sociedade em Rede. Podemos deixar de viver nela?
Podemos regredir a uma sociedade pré-eletricidade? Seria a mesma coisa. Não, não podemos. Apesar de agora muitas pessoas estarem dizendo “por que não começamos de novo?” É um grande movimento, conhecido como “decrescimento”. Algumas pessoas querem tentar novas formas de organização comunitária etc.

No entanto, o interessante é que, para as pessoas se organizarem e debaterem e se mobilizarem pelo decrescimento e o comunitarismo, elas têm que usar a internet. Não vivemos numa cultura de realidade virtual, mas de real virtualidade, porque nossa virtualidade – significando as redes da internet – é parte fundamental da nossa realidade. Todos os estudos mostram que as pessoas que são mais sociáveis na internet são também mais sociáveis pessoalmente.

Existem diversos grupos que hoje protestam sobre o assunto A, amanhã sobre o assunto B, e à noite jogam World of Warcraft (jogo RPG online de aventura). Mas será que eles vão conseguir o que Castro e Guevara conquistaram?
O impacto nas instituições políticas é quase insignificante, porque elas são hoje impermeáveis a mudanças. Mas, se você olhar para o que está acontecendo em termos de consciência… há coisas que não existiam três anos, como o grande debate sobre a desigualdade social.

Em termos práticos, o sistema é muito mais forte do que os movimentos nascentes… você atinge a mente das pessoas por um processo de comunicação, e esse processo, hoje, acontece fundamentalmente pela internet e pelo debate. É um processo longo, que vai das mentes das pessoas às instituições da sociedade. Vamos usar um exemplo histórico: a partir do fim do século XIX, na Europa, existiam basicamente os Conservadores e os Liberais, direita e esquerda. Mas então alguma coisa aconteceu – a industrialização, os movimentos da classe trabalhadora, novas ideologias. Nada disso estava no sistema político. Depois de vinte ou trinta anos, vieram os socialistas e depois a divisão dos socialistas… e os liberais basicamente desapareceram. Isso mudará a política, mas não por meio de ações políticas organizadas da mesma maneira. Por quê? Porque as redes não necessitam de organizações hierárquicas.

Onde isso vai dar?
Tudo isso não vai virar uma grande coalizão eleitoral, não vai virar nenhum novo partido, nenhum novo coisa nenhuma. É simplesmente a sociedade contra o Estado e as instituições financeiras – mas não contra o capitalismo, aliás, contra insitituições financeiras, o que é diferente.

Com esse clima, acontece que nossas sociedades se tornarão cada vez mais ingovernáveis e, em consequência, poderá ocorrer todo tipo de fenômeno – alguns muito perigosos. Veremos muitas expressões de formas alternativas de política, que escaparão das correntes principais de instituições políticas tradicionais. E algumas, é claro, voltando ao passado e tentando construir uma comunidade primitiva e nacionalista para atacar todos os outros movimentos e, finalmente, conseguir ter uma sociedade excluída do mundo, que oprime seu próprio povo.

Mas acontece que, em qualquer processo de mudança social desorganizada e caótica, todos esses fenômenos coexistem. E o modo como atuam uns contra os outros vai depender, em última análise, de as instituições políticas abrirem suficientemente seus canais de participação para a energia de mudança que existe na sociedade. Então talvez elas possam superar a resistência das forças reacionárias que também estão presentes em todas as sociedades
.
----------------------
Entrevista a Paul Mason | Tradução: Gabriela Leite |
Fonte: http://www.outraspalavras.net/2012/11/28/castells-ve-expansao-do-nao-capitalismo/