domingo, 31 de março de 2013

" O Oceano e uma conchinha "




QUASE PERFEITO

Encontrei uma senhora com sacolas de mercado subindo as escadas do hospital.

Perguntei se poderia ajudar. Minha mãe sempre me ensinou que não custa nada ser educado.

Carreguei as sacolas até o terceiro andar. Ela se despediu com um beijo em minha testa.

– Vá com Deus, meu anjo.

Fiquei levemente encabulado, minha testa estava úmida, e ela secou meu suor com seu beijo.

Içara, soube mais tarde, acompanhava seu marido André.

Ele tem câncer em estado avançado, metástase nos ossos. Situação grave.

Os dois partilham um casamento de 30 anos. São amigos de minha amiga Cíntia Moscovich.

Já testemunhei o casal abraçado, tomando vinho, comendo risoto, cantando músicas em bar no Moinhos de Vento.

Não lembrei de sua feição na hora. Quando ofereci ajuda, jurei que era uma estranha.

Mostrava-se toda abatida, acuada pela tristeza, as olheiras de coador de café.

Eu me desculpei quando a revi subindo a ladeira da Ramiro Barcelos. Expliquei que não a reconheci naquele dia.

Ela concordou comigo.

– Tampouco me reconheço, querido.

Sua simplicidade, sua humildade, sua honestidade me desarmaram.

Já não queria carregar suas sacolas, mas seus olhos.

Içara sofre monstruosidades. Sofre essa viuvez devagar. Essa viuvez vindo. Essa viuvez injusta informando seu coração pouco a pouco da tragédia.

Içara vive sendo enganada pela esperança e não desiste de acordar, dormir, acordar, dormir.

Com a fé exausta, me encarou profundamente. Colocou as mãos em meus ombros e pediu para que eu rezasse por uma coisa.

Uma única coisa. Nem era capaz de pedir para seu marido melhorar. Nem era capaz de suplicar o retorno da rotina.

Nem era doida de encomendar milagre, de que eles possam viajar para Grécia, admirar os afrescos da Itália, partilhar novamente de música, gastronomia e literatura.

Içara pede uma só coisa, uma só coisinha: dormir mais uma noite de conchinha com seu marido. Uma só noite soletrando a respiração do seu homem.

Uma só noite com as pernas entrelaçadas, as cabeças encostadas para igual horizonte. Uma só noite com a paz dos lençóis de casa e os travesseiros lavados. Uma só noite despertando ao mesmo tempo, com a mesma vontade de mate e varanda.

Só dormir de conchinha mais uma vez. Uma noite fora do hospital, do soro, do medo de morrer.

Uma noite absolutamente normal. A normalidade no amor é a perfeição.

 

" Na parede "

 
 
 
 
 
  1. Existem diversas maneiras de se conhecer uma pessoa, não só através do que ela diz, mas também através de seus gostos, atitudes, preferências, escolhas. Por exemplo, uma das maneiras de sermos traduzidos é avaliarem o que penduramos na parede. O que as suas paredes revelam sobre você?
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  3. Lembro do quarto da minha infância. Na parede atrás da cama havia o quadro de uma menininha de tranças, com as palmas das mãos unidas, rezando ao lado do seu gatinho. Não era escolha minha, mas eu não desgostava, era uma imagem que me transmitia conforto e segurança. Aí veio a adolescência, e a menininha rezando foi trocada por um pôster do David Cassidy. Começava ali a manifestação pessoal das minhas transformações internas.
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  5. Assim que minhas filhas tiveram seus próprios quartos, permiti que usassem as paredes como preferissem. A casa é dos pais, mas o quarto é território de livre expressão, onde seu ocupante começa a criar o quebra-cabeça da sua identidade.
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  7. Circulam por suas paredes cartazes de shows, fotos de amigos, desenhos de próprio punho, cartões-postais. Aliás, cartões-postais é uma paixão familiar: no meu escritório, emoldurei dezenas deles reunidos. Nenhum com imagens de cidades, nada de paisagens convencionais – são cartões artísticos que trazem propagandas de filmes, fotos em preto e branco, estímulos visuais os mais variados. Cada um desses cartões reflete as coisas que amo: cinema, música, poesia, humor, erotismo, cotidiano. Um caleidoscópio estimulante e que me situa – olho para eles e me sinto em casa, mesmo.
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  9. Pessoas usam as paredes para pendurar calendários, relógios, fotos de família, espelhos, objetos trazidos de viagens, mandalas, telas de seus pintores preferidos, imagens ligadas ao esporte, tudo que traga substância e prazer para conduzir os dias. Ou mantém as paredes nuas, que também é uma forma de expressão – o minimalismo comunica tanto quanto. A parede é o antepassado do Facebook, só que é uma página mais íntima e acolhedora: apenas têm acesso aqueles que fazem parte do nosso universo real, off-line.
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  11. Desperdício é quando a parede é utilizada com um fim apenas decorativo, sem nenhuma sintonia com os sentimentos e com a identidade do morador. O uso das paredes de forma protocolar, burocrática, torna a casa mais triste do que alegre, por total falta de inspiração do proprietário.
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  13. Use suas paredes. Troque as cores de vez em quando. Mude os quadros de lugar. Crie os seus. Invente moda. Acabo de encomendar com o superdiretor de arte Moisés Bettim uma tela que traz Woody Allen pintado ao estilo Andy Warhol – viva a pop art. Onde pendurarei?
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  15. Sei lá: na sala, no quarto, no banheiro, na cozinha, na sacada ou possivelmente no nicho que me serve de escritório – os cartões-postais hão de gostar da companhia. E a casa, preenchida de uma atmosfera tão diversa, habitada por tantos apelos e referências, ficará ainda mais parecida comigo.
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sábado, 30 de março de 2013

" O telefone sem fio da Dilma "





Aceitar 'um pouco' de inflação é como dizer a um alcoólatra que ele pode beber um gole ao dia
O homem é conhecido como o Chuck Norris da Sibéria. Já foi acusado de envenenar espião inimigo com material radioativo e agora tem seu nome ligado à morte aparentemente não morrida, mas quem sabe matada, do oligarca Boris Berezovski (sim, Tevez e Corinthians), encontrado morto no banho na semana passada.

Pois esse mesmo Vladimir Putin que trata uma das maiores potências do mundo como se fosse sua caixa de blocos de Lego parecia um menino aterrorizado no jantar dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China) nesta semana.

Reveja as imagens em que o russo está jantando ao lado da nossa presidente, Dilma Rousseff. Sua expressão é a de quem: a) está tendo sérios problemas no ciático; b) deve ter perdido a Mega-Sena por um mísero digito; c) pode estar se debatendo com a filosófica questão: "Como pude esquecer o Luftal no quarto do hotel?" ou, a hipótese mais provável: "Por que raios me sentaram ao lado da Catifunda?"

O presidente russo não deve ter acreditado que pudesse existir neste mundão de meu Deus um ser tão mal-encarado quanto ele.

"Está certo que meu serviço secreto me informa que os antepassados deste Caterpillar são búlgaros, mas será que o sol dos trópicos não podia ter acalentado o humor de retroescavadeira dela?", parece ele confidenciar ao seu colete antibombas molotov. "E pensar que o Berezovski me contava que o Lula era tão simpático..."

Pois é, Dilma estava mesmo infernal nesta viagem à África do Sul. Vai ver não aguenta mais viver fazendo e desfazendo mala, uai? Pode ser que tenha implicado com o tailleur vermelho que arrumaram para ela -que veio desprovido do adereço principal: o coelho Sansão para dar na cabeça dos repórteres tapuias, não é mesmo, Cebolinha?

Ou pode ser que o gosto amargo sobre os comentários a respeito do tamanho da comitiva na viagem à Roma ainda não tenha sido digerido -por que foi mesmo que ninguém pensou em se hospedar na Embaixada do Brasil junto ao Vaticano, já que a Embaixada brasuca na Itália continua vacante, hein, Cesare Battisti?

Seja como for, nunca na história deste país ou de São Petersburgo ou de Petrogrado, como queiram, se havia visto o valentão Putin tão intimidado ou nossa Dilma tão pouco disposta a enfrentar microfones.

E tudo bem que um tenha mais ânimo em lidar com jornalista e outro menos. Mas não é possível que nossa imprensa seja todinha ela considerada pelo governo do PT como se fosse um corpo distinto. Somos várias empresas, compostas por inúmeros profissionais, cada qual com sua independência e seu modo de pensar. É ridícula a tentativa de reduzir tudo a complô sempre que as coisas não andam a contento.

E, se o mundo financeiro reage à fala de Dilma desta ou daquela forma, o que se há de fazer? Da próxima vez, que tal colocar o Tombini para falar? Ou, melhor ainda, não deixar margem para a volta da inflação?

Sabe o que está causando o telefone sem fio? É essa conversa de "um pouco" de inflação. Nesse assunto, reitero, não existe "um pouco". É como aquele negócio (peço perdão pela rudeza da imagem, mas a gravidade da situação me compele) de "só a cabecinha".

É como dizer a um alcoólatra que ele pode beber um gole ao dia. Lembro-me da época em que o valor de um cheque era um na hora em que você começava a escrevê-lo e outro na hora em que terminava.

O Brasil não superou seu drama com a inflação a ponto de se dar a experimentos. E Dilma não tem cacife para bancar esse banzé. Se não deu para entender a analogia, lá vai mais uma: inflação é como hormônio. É muito difícil controlar a quantidade. E muito fácil criar um Frankenstein de meter medo no Putin.

" Divertimento Solitário "





A canção mais sexy que eu conheço não é exatamente sutil na sua abordagem do tema mais antigo do mundo. Chama-se Sexual Healing (algo como “cura pelo sexo”) e foi um enorme sucesso nos anos 80, na voz suingada do cantor americano Marvin Gaye.

O que torna a música tão sensual não é a letra explicitamente abusada, mas a combinação perfeita entre o que está sendo dito e o ritmo ondulante da melodia, que não apenas traduz o conteúdo dos versos para a linguagem musical como suaviza sua urgência com um ritmo mais sugestivo do que, digamos, apressado. Por sugerir um sexo “quente”, para usar o termo dos americanos, mas não agressivo ou mecânico, a música de Marvin Gaye fez sucesso mesmo antes de as letras de conteúdo sexual explícito tornarem-se “mainstream” (o que vende mais) no mercado da música americana e em boa parte do resto do mundo.

No Brasil, pouco antes de Marvin Gaye estourar com Sexual Healing, Chico Buarque compôs uma canção que, na época em que foi lançada, chocou (tanto quanto fascinou, confesso) a menina de 12 anos que eu era: O Meu Amor. Imagino que algumas moças mais velhas e mais experientes também tenham ficado chocadas e fascinadas por aquela conversa despudorada entre duas mulheres que competem pelo amor de um mesmo homem enumerando os prazeres que ele é capaz de proporcionar a cada uma delas.

Composta em 1978 para o musical Ópera do Malandro, a canção não poderia deixar de ser desbocada em se tratando do diálogo entre uma prostituta e sua rival. Mas aqui também o sexo, cantado em ritmo de bolerão, faz bem para o corpo e para a alma: “Eu sou sua menina, viu?/ E ele é o meu rapaz/ Meu corpo é testemunha/ Do bem que ele me faz”.

Sexo, como o amor, não é um tema fácil de cantar, embora quase todo mundo acredite que entende do assunto – ou exatamente por causa isso. A chance de chover no molhado, sem trocadilhos, é muito maior do que a de produzir algo que chame atenção. Pois mais de 30 anos depois de O Meu Amor, voltei a ser impactada por uma letra que fala de sexo ao ouvir esta semana a música Então se Joga, cantada por um jovem sertanejo chamado Henrique Costa, que além de torturar uma velha canção dos Talking Heads acabou maltratando mais ainda a própria ideia do sexo como algo divertido que duas pessoas fazem juntas.

Nessa, como em outras letras “proibidonas” do funk carioca e do pagode, permanece a urgência, que sempre existiu e deve continuar existindo enquanto nossa espécie habitar este planeta, mas resta pouco espaço para o sexo como resultado do desejo mútuo – com toda a incerteza e chance de fracasso que isso pode implicar. Essas letras falam sobre festas em que os rapazes esperam que as meninas bebam muito para “liberar geral”, e as moças, quando a voz é delas, demonstram estar mais interessadas em exibir poder do que em serem seduzidas.

O sexo “da balada” parece deixar de ser uma relação que envolve brincadeira, ritmo, tempo, sedução, para se tornar uma espécie de divertimento solitário praticado a dois.


Algo assim como tentar tocar a Quinta de Beethoven batucando numa caixinha de fósforos.

" O portal do retorno " por Nilson Souza


Muitos brasileiros que saíram do país em busca de vida melhor estão voltando para casa antes de completar seus projetos. Cada indivíduo tem a sua história e as suas razões para retornar, que vão da dificuldade de adaptação ao país escolhido à crise econômica mundial, que atinge mais fortemente a Europa.

O fenômeno é tão significativo que o Itamaraty resolveu criar o Portal do Retorno, um site que oferece informações burocráticas e oportunidades de emprego aos que voltam. Bela iniciativa. Mostra que evoluímos do “ame-o ou deixe-o”, o slogan excludente e autoritário dos tempos ditatoriais, para uma visão acolhedora de mãe gentil a todos os filhos deste solo.   Melhor, muito melhor assim.

Sair sempre é mais atraente do que retornar. O desafio de enfrentar o desconhecido é irresistível, especialmente para as novas gerações, que já nascem com GPS no cérebro e desconhecem as fronteiras do conformismo. Essa inquietude é que nos fez atravessar oceanos, voar, abrir picadas no espaço sideral e transformar o mundo numa aldeia global. Aplausos, portanto, para a garotada que se aventura. É daí que se pode esperar um mundo melhor.
São incontáveis, porém, os que batem com a cara na parede. Viver no Exterior nem sempre é fácil, mesmo para quem encara sem maiores transtornos as barreiras do idioma e dos costumes locais. O maior problema, de acordo com o relato dos que voltam, é o tratamento indiferente (e não poucas vezes discriminatório) que recebem. E muitos se queixam ao chegar que aqui também passam a ser tratados como estrangeiros – razão principal da medida adotada pelo governo para recepcioná-los melhor.

A verdade é que ninguém volta igual depois de viver fora do país. Mesmo aqueles que se consideram frustrados no aspecto econômico, trazem consigo uma bagagem de experiência e de conhecimentos que jamais adquiririam se tivessem ficado em casa olhando a vida passar. O verdadeiro portal do retorno é a partida, quando se deixa para trás a rotina e se aguça os sentidos para o desconhecido. Ninguém sai para nunca mais voltar, embora esse seja o destino de muitos. E o destino, como sabemos, também é um país estranho.

Acompanhei pelas redes sociais alguns relatos de jovens sobre a volta para casa. Os que ficam acham graça das desculpas apresentadas pelos que decidiram voltar prematuramente. A maioria alega que recebeu uma “proposta irresistível” para trabalhar no Brasil. Como o nosso mercado de trabalho está aquecido, o argumento é válido e até pode ser verdadeiro em determinados casos. Na maioria das vezes, porém, a explicação esconde o constrangimento de admitir que a tentativa de vencer no Exterior não deu certo.

Compreensível. Porém, mais convincente e sincero seria usar como justificativa aquela palavrinha que só existe a língua portuguesa e que expressa magistralmente os sentimentos de perda, falta, distância e amor pela pátria: saudade.
Demos, portanto, boas-vindas aos saudosos aventureiros que retornam ao país.
 

" O que os homens esperam das mulheres " por Ruth De Aquiino



"Talvez os homens sejam realmente mais básicos ou tenham expectativas mais reais. De minha parte, espero sobretudo que minha mulher me ame, seja companheira, leal, que me motive a andar para a frente, e que sejamos felizes juntos.”

Reproduzo acima o que ouvi de um amigo após a edição da revista ÉPOCA com um especial dedicado a 50 anos de feminismo. O título era “O que as mulheres esperam dos homens”. Em 1963, a mulher tentava escapar da armadilha de mãe doméstica, submissa e dependente, sem direito a divórcio. Era a pré-história da pílula anticoncepcional.

Hoje, meio século depois, me incomoda a maneira como meninas e meninos são educados pelas mães e pelos pais. A menina, desde que nasce, é “a princesinha”. Veste rosa, pinta as unhas e faz festa de castelo encantado. De tanto ouvir que é princesa, desejará um príncipe mais tarde. O menino é tratado como um super-herói, um durão. Seu nome raramente é falado no diminutivo em casa. Mimamos a “Flavinha” e estimulamos o “Paulão”. Por que a família e a escola perpetuam esses papéis e o desencontro na vida adulta?

Como o homem costuma falar menos e ocupa as posições de poder, a mídia relega os machos a um segundo plano. Isso até os favorece, porque não são tratados como um bloco homogêneo. Segundo estudos, a mulher fala 20 mil palavras por dia, e o homem 7 mil. O triplo, será? Para alguns especialistas em linguagem, isso não passa de mito. Se levarmos a generalização ao extremo, os assuntos favoritos costumam ser diferentes.

“Homem fala de futebol e mulher. Mulher fala, fala, fala...De empregada, filhos, sapatos, bolsas, cabelos, homens.” Esse é o comentário de um amigo poeta e provocador. Perguntei o que ele espera de uma mulher. “Que seja inteligente, sedutora, não fale muito e seja boa de cama.” Machista ou básico?

Também prefiro homens que não sejam tagarelas e apreciem a cama não só para dormir. Mulheres que se queixam de falta de preliminares devem perguntar-se: eu me debruço sobre o corpo de meu parceiro ou fico deitada aguardando carinhos? Mãos à obra, moças.
Tenho a impressão de que eles gostariam apenas que elas parassem de reclamar deles

Reportagens sobre gêneros costumam concluir que “eles” estão confusos, perdidos e precisam de uma revolução, já que “elas” fizeram a sua. Será que os homens concordam? Duvido. Tenho a impressão, nada científica, de que os homens gostariam apenas que as mulheres parassem de reclamar deles o tempo todo. Ou reclamam deles ou da falta deles.

“As mulheres nunca parecem satisfeitas com nada. Se eles fazem o lanchinho do bebê, elas acham que não fazem direito. Se buscam o filho na escola, ah... por que não corrigiram o dever de casa? Uma lamúria sem fim”, disse uma amiga minha, mãe e profissional bem-sucedida, após ler ÉPOCA. “Acho as mulheres muito chatas. E os homens, à medida que vão se parecendo mais com as mulheres, ficam também cada vez mais chatos.”

Perguntei a um amigo, separado, pai de adolescentes e recém-casado novamente, como ele se sente. “De fato, é muito difícil ser esse macho ideal, que mata um leão por dia no trabalho e ainda precisa levá-la para jantar, cortejá-la, diverti-la e comê-la ardorosamente”.

O que a mulher espera de um homem mudou pouco. Encontrei, num mercado do Brooklyn, em Nova York, um cartão-postal de 1941 sobre “your ideal love mate” (seu amor ideal). A imagem é de um homem de cabelos bem cortados e gravata – bem parecido com o da capa de ÉPOCA. A descrição: “O companheiro ideal é um homem com coração grande, caloroso. Impulsivo, mas com profundo senso de valores. Assume riscos, mas não riscos tolos. Encara suas responsabilidades sem hesitar, é honesto e gentil. Tem um talento real para aproveitar a vida e ajuda sua mulher a aproveitar a dela”. Esse perfil tem mais de 70 anos. Semelhante ao de agora?

O homem deseja o mesmo de sua mulher. Indagado sobre o segredo de 50 anos de casamento com a mesma mulher, tema de um de seus livros, o escritor americano Gay Talese respondeu: “Paciência e bom sexo”. Concordo. De ambos os lados. O ponto alto do especial de ÉPOCA é a entrevista com a socióloga americana Stephanie Coontz. O feminismo do século XXI é sobre defender pessoas e não gêneros. Há quem acredite na besteira de que o mundo é diferente quando dirigido por mulheres. Não sei onde.
A melhor pergunta hoje – especialmente quando vemos o mala do pastor Feliciano agarrado à função insustentável de defensor de direitos humanos – seria: “O que as pessoas esperam das pessoas?”. Que não sejam hipócritas é um bom começo.

" Papa Francisco : inaugura o terceiro milênio?

 



Leonardo Boff*
O primeiro milênio do Cristianismo foi marcado pelo paradigma da comunidade. As igrejas possuíam relativa autonomia com seus ritos próprios: a ortodoxa, a copta, a ambrosiana de Milão, a moçárabe da Espanha e outras. Veneravam seus próprios mártires e confessores e tinham suas teologias como se vê na florescente cristandade do norte da África com Santo Agostinho, São Cipriano e o leigo teólogo Tertuliano. Elas se reconheciam mutuamente e, embora em Roma já se esboçasse uma visão mais jurídica, predominava a presidência na caridade.

O segundo milênio foi caracterizado pelo paradigma da Igreja como sociedade perfeita e hierarquizada: uma monarquia absolutista centrada na figura do Papa como suprema cabeça (cefalização), dotado de poderes ilimitados e, por fim, infalível quando se declara como tal em assuntos de fé e moral. Criou-se o Estado Pontifício, com exército, com sistema financeiro e legislação que incluía a pena de morte. Criou-se um corpo de peritos da instituição, a Cúria Romana, responsável pela administração eclesiástica mundial. Esta centralização gerou a romanização de toda a cristandade. A evangelização da América Latina, da Ásia e da África se fez no bojo de um mesmo processo de conquista colonial do mundo e significava um transplante do modelo romano, praticamente anulando a encarnação nas culturas locais. Oficializou-se a separação estrita entre o clero e os leigos. Estes, sem nenhum poder de decisão (no primeiro milênio participavam na eleição dos bispos e do próprio Papa), foram juridicamente e de fato infantilizados e mediocrizados.

Firmaram-se os costumes palacianos dos padres, bispos, cardeais e Papas. A títulos de poder dos imperadores romanos, a começar pela de Papa e a de Sumo Pontífice, passou ao bispo de Roma. Os cardeais, príncipes da Igreja, se vestiam como a alta nobreza renascentista e isso permaneceu até os dias de hoje para escândalo de não poucos cristãos habituados a ver Jesus pobre e homem do povo, perseguido, torturado e executado na cruz.

Este modelo de Igreja, tudo indica, se encerrou com a renúncia de Bento XVI, o último Papa deste modelo monárquico, num contexto trágico de escândalos que afetaram o núcleo da credibilidade do anúncio cristão.

A eleição do Papa Francisco, vindo "do fim do mundo” como ele mesmo se apresentou, da periferia da cristandade, do Grande Sul, onde vivem 60% dos católicos, inaugura o paradigma eclesial do Terceiro Milênio: a Igreja como vasta rede de comunidades cristãs, enraizadas nas diferentes culturas, algumas mais ancestrais que a ocidental como a chinesa, indiana e japonesa e nas culturas tribais de África e comunitárias da América Latina. Encarna-se também na cultura moderna dos países tecnicamente avançados, com uma fé vivida também em pequenas comunidades. Todas estas encarnações tem algo em comum: a urbanização da humanidade pela qual mais de 80% da população vive em grandes conglomerados de milhões e milhões de habitantes.

Neste contexto será praticamente impossível de se falar em paróquias territoriais; mas, em comunidades de vizinhança de prédios ou de ruas próximas. Esse cristianismo terá como protagonistas os leigos, animados por padres, casados ou não ou por mulheres-sacerdotes e bispos ligados mais à espiritualidade do que à administração. As Igrejas terão outros rostos.
A reforma não se restringirá à Cúria Romana em estado calamitoso; mas, se estenderá a toda a institucionalidade da Igreja. Talvez somente com a convocação de um novo Concílio com representantes de toda a cristandade dará ao Papa a segurança e as linhas mestras da Igreja do Terceiro Milênio. Que não lhe falte o Espírito.
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* Escritor. Filósofo. Teólogo.
Fonte: http://www.adital.com.br/site/28/03/2013

" A Nossa Caverna " por Luiz F. Sardinha *

 

O Mito da Caverna – ou Alegoria da Cavernaescrito pelo filósofo grego Platão, é uma das maiores referências filosóficas a respeito da realidade e da ilusão. Ou, como diria o filósofo, um contraste entre o mundo sensível (aquele que observamos através dos sentidos) e o mundo das ideias (aquele alcançado através de intensa reflexão).

No livro VII de “A República”, Platão narra o Mito da Caverna, alegoria da teoria do conhecimento.
Imaginemos uma caverna separada do mundo externo por um alto muro, cuja entrada permite a passagem da luz exterior. Desde seu nascimento, geração após geração, seres humanos ali vivem acorrentados, sem poder mover a cabeça para a entrada, nem locomover-se, forçados a olhar apenas a parede do fundo, e sem nunca terem visto o mundo exterior nem a luz do Sol. Acima do muro, uma réstia de luz exterior ilumina o espaço habitado pelos prisioneiros, fazendo com que as coisas que se passam no mundo exterior sejam projetadas como sombras nas paredes do fundo da caverna. Por trás do muro, pessoas passam conversando e carregando nos ombros figuras de homens, mulheres, animais cujas sombras são projetadas na parede da caverna. Os prisioneiros julgam que essas sombras são as próprias coisas externas, e que os artefatos projetados são os seres vivos que se movem e falam. Um dos prisioneiros, tomado pela curiosidade, decide fugir da caverna. Fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões e escala o muro. Sai da caverna, e no primeiro instante fica totalmente cego pela luminosidade do Sol, com a qual seus olhos não estão acostumados; pouco a pouco, habitua-se à luz e começa ver o mundo. Encanta-se, deslumbra-se, tem a felicidade de, finalmente, ver as próprias coisas, descobrindo que, em sua prisão, vira apenas sombras. Deseja ficar longe da caverna e só voltará a ela se for obrigado, para contar o que viu e libertar os demais. Assim como a subida foi penosa, porque o caminho era íngreme e a luz ofuscante, também o retorno será penoso, pois será preciso habituar-se novamente às trevas, o que é muito mais difícil do que habituar-se à luz. De volta à caverna, o prisioneiro será desajeitado, não saberá mover-se nem falar de modo compreensível para os outros, não será acreditado por eles e correrá o risco de ser morto pelos que jamais abandonaram a caverna.
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Então, quando o que observamos no mundo com os nossos sentidos passa a ser uma verdade absoluta, agimos como os habitantes da caverna de Platão, só conseguimos enxergar as sombras do que nos é mostrado. Na vida, devemos refletir sempre e profundamente, antes de aceitarmos as verdades sombrias daquilo que muitas vezes nos é imposto, pela sociedade, pela mídia, pelas religiões e até pelas pessoas que achamos que nos ama e aquelas que amamos.
O conhecimento, representado pela luz, nos dá chance de evoluir, mas para alcançar essa luz é necessário romper com as correntes que nos predem dentro das nossas cavernas.
 
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* Psicanalista.
Fonte: http://jornalterceiravia.com.br/26/03/2013

" Três narrativas essenciais na modernidade ( * )

 

Paulo Ghiraldelli Jr

Qual a utilidade da filosofia? Em princípio, essa pergunta é tola. Afinal, Platão, o inventor da filosofia como gênero literário, idealizou-a como uma narrativa especial e específica, distinta da narrativa do sofista, tipicamente utilitária. A filosofia seria uma narrativa diferente da narrativa do útil.

Enquanto personagem de Platão, Sócrates insistia em dizer que procurava a verdade e que o que dizia era verdadeiro, não simplesmente o útil. O filme de Roberto Rosselini, “Sócrates”, insiste nesse ponto, dando uma interpretação interessante da obra de Platão. O sofista, por sua vez, tanto na visão platônica quanto na visão que tinha de si mesmo, não procurava a verdade. Isso, no entanto, não porque gostasse do falso e da mentira, mas simplesmente porque entendia que ao falar, já estava sempre na verdade, uma vez que tudo que qualquer um pudesse pensar e dizer, uma vez pensado e dito, seria verdadeiro.

Essa tese do sofista não era nenhuma bobagem. Estava baseada em um filósofo importante, que Platão respeitava muito: Parmênides. Esse filósofo havia dito que podemos falar do “que é”, mas não temos como falar do que “não é”. O que não é, o falso, não pode ser dito, pois uma vez dito, estaria produzindo “o que não é” como “o que é”. Ora, mas o que não é, não é! Falamos do ser, do não-ser, não falamos. Em outras palavras: o discurso do que chamamos de falso não seria possível. Platão resolveu esse problema de modo técnico, garantido que aquilo que fazemos é perfeitamente correto e possível: pronunciamos discursos falsos tanto quanto pronunciamos discursos verdadeiros. Fazemos assim, ao menos em várias situações, por meio de usar o diferente, e não exatamente o “não-ser”. Nesse sentido, a busca do filósofo pela verdade, o que implica em distingui-la do falso, foi mostrada por Platão como uma prática com sentido e perfeitamente legítima.

Desse modo, Platão tornou possível o discurso da filosofia e da ciência, e criou um espaço social para tal discurso: a academia ou a universidade. O discurso da academia, isto é, o discurso acadêmico, teria por objetivo a verdade. E o discurso do sofista, cujo objetivo era o útil, desapareceria?

Bem, de certo modo, Platão quis fazê-lo senão desaparecer, cair para o segundo plano. Platão desejou fazer com o sofista aquilo que o sofista vinha fazendo com o filósofo. Platão quis que o discurso acadêmico se pusesse na academia, claro, mas também na política. Então, no projeto platônico, cabia a ideia de que os jovens da elite não iriam mais ficar à mercê da educação sofística, própria para a política, para a Ágora. Eles seriam educados filósofos e comandariam a cidade. Comandariam a cidade sob a luz da verdade e, portanto, fariam a cidade justa permanecer justa. O discurso propriamente político, o discurso da democracia ateniense, que pelo útil trabalhava consensos a cada passo na administração da cidade, não teria dado bom resultado, segundo Platão. Afinal, a política só havia criado balbúrdias e injustiças, ou seja, guerra de grupos e a própria condenação de um homem justo e inocente: Sócrates.

Assim, podemos dizer que o mundo antigo foi palco do confronto entre três grandes narrativas. Sim, porque as narrativas do sofista e do filósofo, que disputavam terreno entre si, também se opunham à narrativa mais velha, a do poeta ou rapsodo, a narrativa da religião, ou seja, da mitologia. Essas três grandes narrativas compunham a Paideia grega, a ar espiritual que cada grego poderia usufruir na sua formação cultural.

Nós modernos, somos herdeiros dessa cultura tripartida. Todavia, somos modernos não pelo tempo, mas justamente porque começamos a acreditar que a disputa entre essas narrativas não precisaria ser levada adiante de modo sanguinário e com propósito de eliminação do rival. Poderíamos e deveríamos encontrar espaços próprios para cada uma delas. De certo modo isso ficou refletido na filosofia de Kant e foi visto por Max Weber com uma característica própria dos “tempos modernos”.

Nas sociedades modernas, onde funciona a democracia liberal, tentamos conviver com as três grandes espécies de narrativas: a filosófica ou científica, a política e a mitológica ou religiosa. Nessa sociedade, temos três instituições para acolher essas três narrativas, respectivamente: a universidade, o parlamento e a Igreja ou igrejas. Com a primeira, fazemos investigação sobre a verdade, o que fixamos por meio de conceitos e definições. Com a segunda, conversamos sobre o útil, de modo a criarmos possibilidades de persuasão mútua, da qual emergem consensos e acordos. Com a terceira, professamos nossa fé e louvamos nossos antepassados e nossa história por meio de nossa vinculação aos deuses, além de, não raro, os vermos como fonte de educação ética e moral, dando-nos identidade cultural e esperança.

Nosso projeto pedagógico no Ocidente moderno, herdeiro do humanismo e do Iluminismo, foi temperado e retemperado. Ele considera que a juventude deve aprender as três espécies de narrativas e, para tal, mantém uma instância própria onde isso deve ocorrer: a escola. O jovem que quer adentrar na sociedade moderna ocidental, uma vez na escola básica e, depois, na secundária ou pré-universitária, deve aprender a usar das três narrativas e saber como e quando cada uma tem seu valor. Deve, inclusive, saber que às vezes há cruzamentos, como no caso do pragmatismo (de Peirce, James e Dewey), que faz a prática de busca da verdade olhar para a prática da busca do consenso, ou seja, a prática característica da política. Deve entender que há quem possa usar da fé religiosa para a investigação da verdade, como fez Santo Agostinho, para quem a fé era o facho de luz atrás da cabeça, que não lhe dava visão dogmática, mas ampliava o campo iluminado garantindo-lhe, adiante, um mundo com sentido e, portanto, apreensível pelo intelecto.

Quando alguns adultos acham que as crianças devem aprender essas três narrativas de maneira incompleta, o que fazem é mudar o quadro das disciplinas tradicionais de nossa escola. E o que pior podem fazer quando assim agem, é retirar dos alunos um modo de aprender a distinguir narrativas e gêneros literários. Para fazer o pior, eles tiram da escola a filosofia. Criam então pessoas que não sabem o valor das narrativas e seus lugares. Criam pessoas propensas a acreditar que podemos suprimir narrativas. Geram os que, ao levarem adiante o cultivo da eliminação, abrem portas e janelas ao demônio. E este é habilidoso em dizer o seguinte: para eliminar narrativas, o melhor modo é eliminar o narrador. Assim, disputas entre discursos ganham um sobrediscurso que se põe como legítimo: o da violência. Logo, é a própria violência que se instaura, suprimindo todo e qualquer discurso.

A utilidade da filosofia é esta: a de cultivar as propriedades das narrativas, de modo que a violência não seja a única prática que possa parecer legítima. Nós filósofos acreditamos nisso, que podemos driblar o demônio. Somos ingênuos? Ah, sim, sem dúvida. Apesar de Platão, nosso patrono, ter desejado eliminar o sofista ou o político, nós, filósofos liberais e democráticos, modernos, nunca quisemos isso. Apostamos na filosofia não como o que pode falar mais ou de maneira melhor que outras narrativas, mas como a que tem tempo para falar sobre todas de maneira a arbitrar o conflito entre elas, sem deixar que elas se destruam ou sejam destruídas por força externa. Por isso mesmo Richard Rorty, o filósofo americano falecido em 2007, deixou como título-proposta de sua última obra, “a filosofia como política cultural”.
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© 2013 Paulo Ghiraldelli Jr. é filósofo, escritor, cartunista e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
(*) Artigo feito a pedidos do prof. Balestra, da Espanha, a propósito da tentativa de retirada de horas de filosofia do ensino básico espanhol por parte do governo.
Imagem da Internet
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/2013/03/tres-narrativas-essenciais-na-modernidade/

" Jovem se recusa a pisar no nome de Jesus e é suspenso "

 

Um professor universitário sugeriu a seus alunos que escrevessem o nome “Jesus” num pedaço de papel e pisassem sobre ele, como parte de um exercício sobre debates durante uma aula de Comunicação Intercultural. Entretanto, um dos alunos se recusou a fazer o que havia sido pedido pelo professor e foi suspenso pela direção da Florida Atlantic University. O estudante que se recusou a pisar no nome de Jesus é um mórmon, e disse que se sentiu desrespeitado: “Eu não vou ficar sentado em uma classe para ter meus direitos religiosos profanados, e como eu estou sendo punido, vejo realmente dessa forma”, disse Ryan Rotela. Já o professor Deandre Poole alegou que estava tentando ensinar aos alunos uma “lição de debate”, e que isso seria uma forma de forçar os alunos a enxergarem outras perspectivas.
A diretora da universidade afirmou à Fox News que, “como em qualquer lição acadêmica, o exercício foi feito para incentivar os alunos a ver as questões a partir de muitas perspectivas, em relação direta com os objetivos do curso”, e que, “apesar de, por vezes, os temas discutidos poderem ser sensíveis, um ambiente universitário é um espaço para diálogo e debate”, afirmou Noemi Marin.
Suspenso, Rotela, no entanto, se mantém criticando a iniciativa: “Eu disse para o professor: ‘Com todo o respeito à sua autoridade como professor, eu não acredito que o que você nos disse para fazer seja apropriado. Acredito que foi pouco profissional e eu estava profundamente ofendido com o que você me disse para fazer’”, revelou o estudante.
A universidade e o professor Poole defendem-se ainda citando que o exercício é proposto pelo material didático usado nas aulas, e faz parte do livro Comunicação Intercultural: Uma Abordagem Contextual. Edição 5, que trata o exercício como o princípio de uma discussão: “Peça aos alunos para se levantar e colocar o papel no chão, na frente deles com o nome Jesus para cima. Peça aos alunos para pensar sobre isso por um momento. Depois de um breve período de silêncio, instrua-os para a etapa no papel. A maioria hesitará. Pergunte por que eles não podem pisar no papel e discuta a importância dos símbolos na cultura”, diz o texto.
Paul Kengor, diretor executivo do Centro para a Visão e Valores afirmou que essa lição é um exemplo direto de como a sociedade secular tem o cristianismo como um alvo: “Esses são os novos discípulos seculares da ‘diversidade’ e ‘tolerância’- jargões vazios que fazem os liberais e progressistas se sentirem bem, enquanto eles muitas vezes se recusam a tolerar e às vezes até tomar de assalto as crenças cristãs tradicionais e conservadoras”, criticou.
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                          Fonte: http://www.criacionismo.com.br/2013/03/29

sexta-feira, 29 de março de 2013

" Keep calm and carry on "




Antigo slogan britânico, criado pelo governo em 1939, volta à moda num mundo de mortos-vivos

A MODA pegou, com mais de 70 anos de atraso. Camisetas, mensagens no Facebook, capas de caderno, não há lugar onde não esteja reproduzido o velho cartaz britânico: "Keep calm and carry on".

Ou seja, "fique calmo e vá em frente". O slogan, pelo que vejo na Wikipédia, foi criado pelo governo inglês em 1939, para ser divulgado na eventualidade de uma invasão nazista. A versão clássica traz a coroa do império encimando as palavras, que se destacam sobre o fundo da bandeira do Reino Unido.

O cartaz não foi muito usado na época, e ficou nos arquivos governamentais. Uma rara cópia foi encontrada num sebo em 2000, e só nos últimos anos a frase virou febre. O mais comum é encontrá-la com letras brancas, sobre um fundo monocromático.

A graça da coisa está em modificar o slogan para todo tipo de situações. "Keep calm e faça um boletim de ocorrência." "Keep calm and call Batman." "Keep calm e aguarde o feriadão." "Keep calm e coma chocolate." A lista é infinita.

Existem também as modalidades inversas, que começam com "Get excited", e com "Freak out": "Dê a louca e quebre tudo", por exemplo.

Manter a calma eu acho melhor. Qualquer pessoa pode apreciar a sugestão, mas não é casual que a moda tenha começado na Inglaterra.

Teoricamente, o slogan deveria servir como incentivo à resistência. Poderia ter sido utilizado durante o bombardeio alemão sobre a Inglaterra, num momento em que o país estava sozinho contra Hitler.

Talvez não tenha sido sequer necessário difundir os tais cartazes. Enquanto choviam sobre Londres as bombas da blitz, a pianista Myra Hess apresentava, imperturbável, seus recitais de Beethoven; há um filme em que ela aparece, com um bombeiro ao seu lado para qualquer emergência.

Teríamos aí um bom motivo para a frase entrar na moda. Manter as mesmas atividades, num clima de ameaça, equivale a dar um sentido novo, e mais alto, à própria rotina.

O slogan traz também o sabor nostálgico de uma época em que governo e população poderiam, por vezes, parecer uma coisa só. As bombas caem sobre todos.

A liderança de Churchill naqueles anos de guerra -que também volta a ser reverenciada atualmente- colocava em cena algumas funções do Estado democrático que, talvez, estejam em desuso.

Coordenação, organização, motivação, por exemplo. Uma coisa são as reações individuais que possamos ter diante de um problema; outra, a atitude que sabemos ser melhor adotar coletivamente. Uma terceira coisa é um governo que, ouvida a vontade da maioria, torna-se legítimo ao apontar o rumo a ser seguido.

Depois de décadas de individualismo e desregulamentação, entretanto, o "keep calm and carry on", parece adquirir o sentido oposto. Em primeiro lugar, imagino que a força da crise econômica europeia tenha tido seu peso na ressurreição do cartaz.

Mantenha-se calmo, aguente, que um dia passa. A frase naturalmente se aplica a tudo o que não tem solução, ou cuja solução está entregue a um governo fraco, incompetente e corrupto: o trânsito nas cidades brasileiras, a criminalidade, o desemprego, os aeroportos, tudo o que quisermos.

Ao mesmo tempo, o slogan foi "privatizado", por assim dizer. Torna-se um convite ao conforto (fique calmo e coma chocolate), ao aperfeiçoamento pessoal (keep calm and play volleyball), ao consumo (fique calmo e use jeans da nossa marca).

As adaptações deixam de lado a segunda parte da frase -"carry on", "siga em frente". Seguir em frente não é tão fácil. Embora não tenha tanto destaque, essa recomendação me parece a mais significativa para o momento atual.

Trata-se do slogan de todo zumbi. Como se sabe, esses monstros também voltaram à moda. Depois dos filmes de vampiro, no estilo de Anne Rice, dos filmes de catástrofe e dos filmes de história em quadrinho, recorre-se ao velho depósito do terror "trash" para manter em movimento a indústria cinematográfica.

Vem aí uma superprodução de zumbis com Brad Pitt. Na época em que o capitalismo financeiro era mais charmoso, Brad Pitt era um dos belos atores de "Entrevista com o Vampiro". Os zumbis são um pouco como essas instituições financeiras que quebraram em 2008 mas seguem vivas até agora, arrastando seus pedaços e "seguindo em frente". Pedem calma, naturalmente, ao distinto público.
 

 

" Não podemos nos dispersar " por Jaime Cimenti





A Via - para o futuro da humanidade, obra mais recente do parisiense Edgar Morin, nascido em 1921, um dos maiores pensadores contemporâneos, em síntese enfoca o caminho para a reestruturação de práticas e pensamentos coletivos na sociedade. Ao fim e ao cabo, Morin, autor de Cabeça bem-feita e A religação dos saberes, entre outras obras fundamentais, responde à seguinte pergunta: estamos caminhando para uma cadeia de desastres?

Para dar conta da questão, o autor dividiu o volume em quatro partes. A regeneração das relações sociais e a busca de alternativas para reduzir a pobreza e a desigualdade; as bases da democracia cognitiva, da reforma e da educação, da formação de intelectuais policompetentes e multidimensionais; os problemas cotidianos e as reformas morais necessárias, no campo da medicina e relações familiares, por exemplo.

Conflitos étnicos, religiosos, políticos, instabilidade econômica, degradação da biosfera, derrocada das sociedades tradicionais e, ao mesmo tempo, da modernidade, eis o cenário de nosso tempo. Mesmo com melancolia, mesmo sentindo que não estará presente num futuro breve, o velho mestre não desiste da esperança de um mundo melhor.

Mesmo com as inúmeras crises e os vários conflitos, cujos responsáveis diretos são a mundialização, a ocidentalização e o desenvolvimento, Morin vê dois caminhos para a humanidade: o abismo ou a metamorfose. Para ir rumo ao primeiro, não é necessário muito esforço, pois nossas carências e incompreensões nos levam fácil para lá.

Para ir na direção do segundo, é preciso muito cuidado na busca da direção certa. Para um futuro melhor, é preciso reestruturar práticas e pensamentos coletivos em nossa sociedade, algo que somente será viável quando se toma a metamorfose como meta prioritária, utopia realizável, sonho possível.

“Boas ideias são raras, demoram muito tempo para se concretizar. É preciso, portanto, engajar-se com ardor, paciência e revolta nas vias reformadoras para que a Via se estabeleça e se concretize na contramão das desigualdades, das intolerâncias, dos tecnoprofetismos que se espalharam sobre a face da Terra-Pátria”, escreve Edgard de Assis Carvalho na apresentação.

É isso, não podemos nos dispersar. “Eu reúno o disperso” é o mote de Morin, que pode ser o mote de todos. O autor pensa num segundo volume. Bertrand Brasil, 392 páginas, tradução de Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco, mdireto@record.com.br.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Editorial

Após prejuízo bilionário, só a água será gratuita nos voos da Gol RICARDO GALLO - DE SÃO PAULO
A fim de reduzir custo e obter mais receita, a Gol acabará até maio com o serviço de bordo gratuito em todos os seus voos domésticos. De graça, só um copo de água será oferecido -ainda assim, a quem pedir.

A medida é tomada no momento em que a Gol anuncia prejuízo de R$ 1,5 bilhão no ano passado, o dobro das perdas registradas em 2011.

No quarto trimestre de 2012, a empresa registrou perdas de R$ 447,1 milhões em meio a alta nos custos de combustível e gastos adicionais com o fim da Webjet.



A companhia aérea Gol acabará até o mês de maio com o serviço de bordo gratuito em todos os voos domésticos

O resultado negativo anunciado ontem ocorreu apesar do avanço de 7,5% nas receitas no ano passado, para mais de R$ 8 bilhões.

A informação sobre o fim do serviço de bordo gratuito está em comunicado distribuído a pilotos e comissários, a que a Folha teve acesso.

Os voos nacionais correspondem a 95% da operação da companhia, que é a única a oferecer venda a bordo no Brasil. O processo começou em 2009 e hoje abrange metade dos voos nacionais. Na TAM, na Avianca e na Azul, o serviço é grátis.

Desde segunda-feira, o cardápio pago foi estendido para os voos da ponte aérea entre os aeroportos de Congonhas e Santos Dumont. Isso significa que, neles, a opção grátis se restringe a água.

Até a semana passada, os passageiros da ponte aérea recebiam, de graça, amendoim, suco e refrigerante.

Também anteontem a Gol estreou quatro novos kits de cardápio: café da manhã e lanche nas versões "saudável" e "tradicional". Cada kit custa R$ 10 e só é aceito pagamento em dinheiro.

Um café da manhã saudável, por exemplo, traz suco de caixinha, queijo processado light, pãozinho, barra de cereal e geleia light. Não há sanduíches entre as opções.

Por enquanto, cada voo terá apenas 26 kits -para uma média de 150 passageiros.

No mundo, a venda a bordo é prática comum; companhias de baixo custo, como Ryanair e Easyjet, foram as precursoras do modelo.

Nos últimos anos, mesmo as companhias aéreas que oferecem serviço gratuito passaram a reduzi-lo.

"Acreditar no sucesso deste serviço é o início de tudo. Tenham certeza de que estamos disponibilizando um produto de qualidade. Sejam multiplicadores dessa ideia", disse a Gol no texto destinado aos funcionários.

O combustível, que subiu 18% anuais em dois anos, é um dos motivos para o prejuízo. Outros fatores citados pela Gol são a alta do dólar e o aumento acima de 30% nas tarifas aeroportuárias.

Quarta - feira da Semana Santa,a quaresma

 

 

«A madre Sara disse: ‘se rezo a Deus para que todos estejam contentes comigo, acabarei a fazer penitência à porta de cada um. Rezarei antes para que o meu coração seja puro com todos’.»

«Pai Antão dizia: ‘Retirai as tentações, e nunguém se salvará!’»

«Alguém perguntou ao Pai António: ‘que devo fazer para agradar a Deus?’ E o ancião respondeu: ‘Faz o que te digo: para onde quer que vás, tem sempre Deus diante de teus olhos; em tudo o que fizeres ou disseres, tem ptesente as Escrituras; mores onde morares, não fujas.»

«Isac, o Siro, dizia: “Alegra-te com os que estão alegres, e chora com os que choram. É este o sinal da pureza: sofrer com os que sofrem, estar de luto com os pecadores, alegrar-se com os que se arrependem; tornar-se amigo de todos os homens, não permanecer só com os próprios pensamentos. Participa das desgraças dos outros, mas permanece distante de todos com o corpo. Não vigiar nem acusar ninguém pelo seu comportamento, ainda que se tratasse da pessoa mais malvada. Estende a tua túnica sobre quem pecou e, se não podes carregar o seu pecado para receber a vergonha e o castigo em sua vez, sê ao menos paciente e não o desprezes."».

«Um irmão pecou com o pensamento. Mais tarde, durante a reunião dos monges para tratar deste caso específico, foi chamado aba Moisés que se recusou a comparecer. Então o presbíterio mandou alguém a dizer-lhe: ‘Vem, o povo espera-te!’. O asceta pegou então numa cesta que encheu de areia e pôs-se a caminho para o local da reunião. Aos que, vindo para o saudar, lhe perguntavam o sentido de tal gesto, ele respondeu: ‘os meus pecados caem como a areia detrás de mim e não os vejo. Que venho então eu aqui fazer para criticar os pecados de outros?»

«Disse ainda outro Ancião: ‘é coisa boa comer carne e beber vinho, e não comer com a maledicência as carnes dos irmãos.”»

«Quanto mais o homem está unido ao próximo, tanto mais está unido a Deus. Escutai, por favor, esta comparação que eu aprendi de nossos pais. Imaginai que existe uma roda na terra bem impressa em forma redonda com um eixo ao centro que é o seu ponto central da roda. Escutai agora o que vos digo. Imaginais que o círculo é o mundo e que o centro é Deus. E que os raios que iniciam na roda do círculo e vão em direção ao centro são os caminhos e modos de vida dos homens. De modo que os santos que desejam aproximar-se de Deus caminham para o interior desses raios, aproximando-se de Deus, ficando mais próximos uns dos outros segundo o grau da sua aproximação; e quanto mais se aproximam de Deus mais eles se aproximam uns dos outros e quanto mais se aproximam uns dos outros, tanto mais se aproximam de Deus. O mesmo sucede quando se afastam: quanto mais se afastam do centro, mais se afastam de Deus e uns dos outros. Tal é a natureza da caridade: à medida que nos distanciamos e não amamos Deus também nos afastamos do nosso próximo. E, pelo contrário, na medida em que amamos Deus, aproximando-nos d’Ele pela caridade, ficaremos unidos pela caridade ao próximo e a Deus» (Abade Doreteu).
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Seleção e tradução: Fr. Isidro Lamelas, OFM, professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa
Fonte: http://www.snpcultura.org/quaresma_2013.html

" Cresce a procura por cemitérios de animais

 


Dona Cleusa visita a sepultura de seus cães quase todos os dias - Divulgação

Divulgação
Dona Cleusa visita a sepultura de seus cães quase todos os dias

Cada vez mais fazendo parte das famílias, bichos já contam até com crematórios

FRANCA - Considerados por muitos como membros da família, os animais já contam com cemitérios e até crematórios em algumas partes do País. E a procura por um lugar para destinar o bicho de estimação não para de crescer, assim como o interesse de construção de novos locais. O problema é que o trâmite para uma obra assim é o mesmo de um cemitério para humanos e conseguir alguns documentos, como a licença ambiental, não é tão simples.

No interior paulista existem cemitérios de animais em cidades como Botucatu, Sorocaba e Campinas. Todos são particulares e os donos desembolsam de R$ 180 a R$ 850 para enterrarem seus bichos. E não são apenas cães e gatos que têm direito a funeral, pois, esses locais também já receberam pássaros, papagaio, lebre, tartaruga e até peixinhos de estimação.

Segundo Clóvis Bettus, proprietário do Cemitério de Animais de Botucatu, um dos mais antigos do interior de São Paulo - com 11 anos de vida, diz que antes sepultava em torno de quatro animais por mês, mas hoje chega a ser esse número por dia. Ele conta que resolveu criar o local com a morte de seu cão da raça king Cocker, pois na época não havia opção para dar um final digno ao seu fiel amigo. Através de uma sobrinha que morava na Europa veio a ideia de fazer um cemitério, coisa que já era comum em países como França, Inglaterra e Alemanha.

Hoje o local já conta com 3.546 animais e recebe visitantes como Dona Cleusa, que quase todos os dias visita as sepulturas de seus dois cães. Também serve de exemplo para outros municípios, tendo recebido nesta semana vereadores de Franca (SP), que sonham em ter na cidade um cemitério municipal para os bichos. Mas Clóvis Bettus confirma que isso não é tão fácil. "É o mesmo que a prefeitura querer construir um aterro sanitário, ou seja, é possível, só que bem complicado", explica.

Crematório

No país também já existem os crematórios, porém, em menor número que os cemitérios e com serviços mais caros (a cremação mais simples não sai por menos de R$ 600). O mais antigo deles foi inaugurado há quase 13 anos em São Bernardo do Campo e custou R$ 5 milhões. O local conta, inclusive, com capela de São Francisco de Assis para fazer orações e prestar homenagens ao bicho, além de salas de velório para a cerimônia de despedida.
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Reportagem por Rene Moreira, Especial para o Estado
Fonte: Estadão on line

quarta-feira, 27 de março de 2013

A Magia do Evento

Moinhos de luz ,Por Cassiano Leonel Drum


Noivos, como Diandra e Lucas, procuram frequentemente os Jardins do DMAE para ensaio fotográfico
Foto: Adriana Franciosi / Agencia RBS - Rosane de Oliveira

Varia de tempos em tempos o metro quadrado mais caro de Porto Alegre, mas o mais raro é o mesmo há muitos anos: o bairro Moinhos de Vento. Corretores de imóveis têm calafrios quando o cliente diz que procura um apartamento, casa ou escritório com determinadas características, mas tem de ser no Moinhos. Porque são raras as novas construções, e quem mora no bairro resiste em mudar para outro.

O que faz do Moinhos de Vento um bairro tão especial é uma combinação de ingredientes difíceis de encontrar reunidos em outras áreas: localização próxima do Centro e do aeroporto sem os inconvenientes de estar perto demais, parques e praças bem cuidados, ruas arborizadas, bares, cafés, restaurantes, cinema, lojas de ruas, o hotel preferido das estrelas (o Sheraton) e todos os serviços que se possa imaginar. Não seria exagero dizer que o Moinhos é uma cidade dentro da cidade.

Nenhum bairro tem mais academias de ginástica, salões de beleza, clínicas de cirurgia plástica, lavanderias (a Golfinho é um caso de MBA em atendimento), farmácias, consultórios de médicos e dentistas por metro quadrado. Dois hospitais, clínicas de fisioterapia, pronto-socorro e escritórios de advocacia em profusão completam o cardápio de serviços que atraem tantas pessoas de outros pontos da cidade.

Pelos dados do último censo, é o bairro com o maior percentual de idosos. Pelo que se vê nas ruas, é o que tem uma das maiores concentrações de jovens — residentes, alunos de colégios e cursinhos pré-vestibular, trabalhadores de escritórios, frequentadores dos bares e restaurantes que se espalham pelo entorno da Rua Padre Chagas. Se considerar as adjacências, o Grande Moinhos oferece comida japonesa, portuguesa, tailandesa, espanhola, italiana, alemã, mediterrânea, uruguaia e brasileira, naturalmente.

É no Parcão, o espaço mais democrático do bairro, que todas as gerações se encontram. Da manhã à noite, pais passeiam com bebês, homens e mulheres se exercitam para perder peso e/ou ganhar saúde, jovens sarados exibem sua boa forma. É no Parcão que há mais de 10 anos o professor chinês Elio Lee dá aulas de tai chi chuan integrado à natureza.

É no Parcão que há mais de 20 anos o governador Tarso Genro e sua mulher, Sandra, caminham nas primeiras horas da manhã. O aumento da insegurança na cidade — e o Moinhos não é exceção — acabou com a tradição dos anos 1980, quando os casais namoravam de madrugada dentro dos carros estacionados na Comendador Caminha.

Para quem quer sossego ao ar livre, os jardins do DMAE são a melhor das opções. É raro o dia em que não se encontra um fotógrafo ou cinegrafista profissional usando o jardim como cenário para book de candidatas a modelo, comerciais de TV, ensaios para álbuns de noivos. Com casamento marcado para o dia 23 de março, Diandra Ávila de Moura, 20 anos, e Lucas Favretto, 23, vieram de Gravataí duas semanas antes para fazer o ensaio fotográfico do álbum de recordações. O local foi sugestão do fotógrafo. Diandra adorou:

— O lugar é lindo. Valeu a pena ter vindo de Gravataí toda produzida para tirar as fotos.

Outra noiva, Laila Welter, advogada de 29 anos, moradora do Jardim Botânico, fez do Moinhos cenário para a despedida de solteira. Com sete amigas, desfilou a bordo de uma limusine, brindando com champanhe à nova vida que começaria com o engenheiro Fernando Dal Piva. O passeio de uma hora e meia foi presente das madrinhas.

Laila (D) fez sua
despedida de solteira a bordo de uma limusine, pelas ruas do Moinhos - Foto: Arquivo pessoal


Enquanto Laila circulava de limusine pela Fernando Gomes e Padre Chagas, outro grupo de amigas se divertia no Boteco Natalício, um bar que ganhou fama no Centro e abriu uma filial na esquina da Félix da Cunha com a Tobias da Silva. Eram integrantes da confraria As Delirantes, um grupo de mulheres bonitas e independentes, na faixa dos 30 anos, quase todas profissionais liberais que, uma vez por mês, deixam maridos e namorados em casa ou no futebol e se reúnem em um bar com a única obrigação de se divertir.

A psicóloga Vanessa Samrsla, uma das "delirantes", mora perto do Iguatemi, mas sente-se em casa no Moinhos, até porque o marido é dono de uma tradicional cervejaria com unidades na Rua Castro Alves e na Barão de Santo Ângelo. Pelo número de bares, o Moinhos é o preferido para os encontro das "delirantes" — o nome da confraria é inspirado na cerveja Delirium.

Para não parecer que o Moinhos é a Ilha da Fantasia, convém falar um pouco dos problemas. O primeiro é a acessibilidade. O estado das calçadas é um pesadelo para pessoas com deficiência e para carrinhos de bebês. O bairro seria melhor se os motoristas que por ele circulam fossem mais educados, respeitassem o pedestre e não buzinassem tanto.

O trânsito é infernal nas horas de pico, a área azul nos dois lados de ruas estreitas como a Hilário Ribeiro aumenta os congestionamentos, faltam vagas de estacionamento e roubam-se carros à luz do dia. Nada muito diferente do que ocorre em outras áreas da cidade, mas chocante para um bairro que exibe a classificação de "nobre".

" O Jesus da Nilo " por Cassiano Leonel Drum




Jesus é um popular morador de rua da Nilo Peçanha
Foto: Adriana Franciosi / Agencia RBS
Ele não usa computador, mas já ultrapassou 900 fãs no Facebook. Não tem telefone, mas se comunica muito bem. Não cumpre horários, mas andou tentando vender um relógio dia desses. Acha "pouco" se candidatar a vereador, mas desconhece a presidente Dilma. Não tem um tostão furado, mas gosta de escolher marcas de chocolate e de roupa, como botas Timberland, calça Ellus de couro e um casaco de nobuk com pele para enfrentar o inverno que vem aí. Fala de "probleminhas" com a polícia, mas brigadianos descem de um carro só para cumprimentá-lo. Deixou a escola há anos, mas sabe palavras em inglês e, a seu modo, se mantém conectado com o que acontece no mundo, como o meteoro que caiu na Rússia. Tem dúvidas se Deus criou o universo, mas traz o nome de Jesus.

Tantas contradições carrega um popular morador de rua da Bela Vista, um dos bairros mais nobres de Porto Alegre — o Jesus da Nilo, referência à mais importante avenida da região. Mas por que, entre 11 mil habitantes, em um bairro marcado por revendas de carro luxuosas, sofisticadas casas de móveis, condomínios residenciais e prédios de escritório de alto padrão, cujo crescimento foi puxado pelo Iguatemi há 30 anos, fui conversar logo com ele?

Porque as histórias que há anos rodam no bairro mereciam explicação. Porque Porto Alegre merecia conhecer a simpatia e a popularidade de Jesus, este homem mirrado, magro, com poucos dentes na boca e olhos claros, que não para de conversar e sorrir para quem passa pelas imediações da Nilo Peçanha com a João Wallig.

Jesus, hoje às vésperas de completar 47 anos, foi muito maltratado pela vida, mas aparenta raiva alguma dela. Contam que ele morou no Menino Deus ao lado de duas irmãs e um irmão, e que teria sido aluno do Anchieta e cursado Medicina – o que Jorge Luiz (seu nome verdadeiro; o sobrenome ele não revela) nega. Certo é que um maremoto familiar provocou a brusca guinada.

Foi em fevereiro de 1992, quando morreu, ao lado dele, sua mãe, Maria Joana — o pai, Francisco Laerte, já era falecido. No mesmo dia, o então funcionário da associação dos servidores da Caixa Econômica Federal teria sido abandonado pela mulher, Gislaine, que levou junto os filhos, Diogo e Renata.

— Tive família e um trabalho que amava por 10 anos — relembra Jesus. — Quando tudo se concretizou, acabou de uma maneira trágica e aí fiz a opção de descer para conhecer a miséria, que me proporcionou uma força de viver. Poucos têm coragem não só de conhecer o céu, mas também o inferno. Nem sei se vou para o céu, não tenho certeza de minha missão. Alguém tem de salvar o mundo, mas, com certeza, não serei eu.

É difícil entender como um homem tão amigo dos jovens – a quem aconselha que prestem bem atenção ao que falam os pais e contem sempre a verdade – possa ter se afastado dos filhos. Ele confessa que foi difícil, mas "matou" o amor que sentia. "Bonitos, sadios, inteligentes" é o pouco que avança sobre Diogo e Renata. Do rompimento, veio a mudança de vida:

— Sem prejudicar ninguém, buscar o que queria: Jesus e as gurias.

Ele diz que são "29, 30 namoradas", a quem deixa claro: relação sem cobranças e ciúme, só amor. Chegou com cinco horas e meia de atraso à entrevista com ZH porque a noite anterior fora agitada, regada a "vodca, scotch e cervejas", com as gurias, filmes e "dance house".



Após horas à procura de Jesus, Bela finalmente conseguiu entrevistá-lo - Foto: Adriana Franciosi

Jesus também se vangloria dos amigos que conquistou no bairro. Um deles é Henrique, um corredor de final de tarde que se intitula como o "melhor amigo" e a quem ele retribui com um carinhoso "meu bruxo". De outro, o Aranha, a quem viu crescer, se considera o padrinho espiritual do filho, que ele, Jesus, chama de Spider Júnior. De um terceiro, ganhou o apelido. Diante da cena – Jesus de modelo fotográfico na avenida —, as buzinas dos carros se sucedem:

— Está famoso, hein, Jesus? — brincam os motoristas, os funcionários do posto de gasolina, os do ponto final da lotação, os taxistas, o pessoal do laboratório onde, no fundo do estacionamento, ele dorme em uma cama de papelões.

Dos amigos, ganha também cerveja, salgadinhos, chocolates, bolacha recheada e dinheiro, claro, como o de um senhor que, religiosamente, às sextas-feiras passa cedo pelo posto de gasolina e lhe dá R$ 10.

— Tiro R$ 1 mil por dia – diz, saboreando um valor que, segundos depois, baixa para R$ 400 e, se a conversa continuasse nesse rumo, talvez terminasse em dinheiro apenas suficiente para comprar comida e refrigerantes em um bar que vende mais barato na Vila Jardim, para onde vai de carona nos ônibus.

Jesus não é unanimidade. Dizem que ele foi afastado do ponto próximo ao Unificado por pressão de pais que o acusavam de passar drogas aos filhos. Ele afirma ter provado para "a polícia civil e militar" que não era traficante. Admite transgressões com a bebida — "sou aspirado, turbinado e nitrado" — e fala, sem saudade, do antigo ponto, onde contava aos jovens ter jogado na escolinha de base do Inter, sem nunca perder a camisa 10. É nessas ruas que sente o preconceito pelo homem maltrapilho, feio:

— Há 20 anos moro no bairro. Tem gente com inveja e ciúmes, pensam que sou do mal. Tenho minhas particularidades, mas a minha maldição não é a droga, é o chocolate. Existem drogas lícitas que são muito mais mortais, como os antidepressivos.

Este Forrest Gump da Zona Leste, que conta histórias e vai mudando de assunto de minuto em minuto, tem seu QG principal em um orelhão nas redondezas. É ali, "com um olho bem aberto, outro bem fechado", que ele se defende de eventuais agressões, raras, e também do mau tempo. Foi lá que abrigou ZH no nosso primeiro contato, quando Porto Alegre foi alvo de temporal.

Se fala-se tanto hoje de fidelidade à marca, Jesus é um prato cheio. Conta que já recebeu muitas, muitas mesmo, propostas para sair das ruas, mas não sai da Nilo por nada. Acredita no gosto pela liberdade que esta "universidade da vida", as ruas, lhe dá. Recusa os abrigos da cidade porque "não quer tirar o espaço de ninguém". Agora, no Natal, Jesus desaparece, isola-se, procura um local qualquer para se esconder de tudo e sofrer a melancolia que a data traz para quem vive na solidão.

A nossa conversa precisa terminar. Jesus gostou de posar para as dezenas de fotos da Adriana, a quem chama da Audrey, e da filmagem do Felipe, não reclamou de nada. Mas está muito inquieto, diz que precisa ajudar uma senhora com a mudança, levar uns sofás e ganhar uns trocados.

— Estou atrasado, Belinha. São sete e meia.

A mesma Belinha que, momentos antes, ele chamava respeitosamente de senhora. Por que mudou o tratamento?

— De senhora à guriazinha para elevar a tua autoestima ao milésimo grau.

Se eu tinha problemas de autoestima, esta lição de vida que ganhei com nossas conversas certamente mudou algo em mim.

" A quem serve ??? "



ARTIGOS - Pio Giovani Dresch*


Há alguns meses, ao participar de programa de debates no rádio, ouvi de um político que não cansa de enaltecer as próprias virtudes a afirmação de que a maioria dos deputados é corrupta. Quando o instei a esclarecer se isso também valia para os deputados do Rio Grande do Sul, não vacilou em responder afirmativamente.

Lembrei do episódio nos últimos dias, ao ler as notícias referentes a afirmações do presidente do Supremo Tribunal Federal, também do CNJ, que genericamente atribuiu a magistrados conluios com advogados em ações judiciais.

Embora não acredite que o propósito dessa afirmação seja o mesmo do que parecia mover o mencionado político, para o qual o ato de apontar o pecado do vizinho parece constituir a medida de sua própria santidade, não deixa de me preocupar o fato de que a autoridade máxima do Judiciário, na esteira do que já fez a antiga corregedora nacional de Justiça, lance sobre a magistratura nacional semelhante generalização.

Afastando o propósito autolouvador, que bem poderia ser atribuído a quem tem aspirações políticas, tento entender o que move alguns próceres do Judiciário a fazer alegações tão levianas.

Ideologicamente, duas hipóteses poderiam ser consideradas: uma ideia privatista, que necessita da desvalorização de tudo o que é público, para assim obter a privatização do Estado; ou então um populismo autoritário, que concentra em algumas figuras messiânicas todas as virtudes do poder, e em contrapartida escancara os defeitos – reais ou imaginários – das instituições democráticas e de seus agentes.

Descarto a primeira hipótese: a escandalosa quebra dos mercados financeiros, ocorrida há alguns anos, afastou a hegemonia de uma ideia de sociedade em que o Estado era reduzido a mera instância formal, sem incidência de fato sobre os arranjos da economia e da sociedade.

Resta-me a segunda, e não posso deixar de me preocupar: a genérica atribuição de qualidades negativas a agentes públicos – nesse ponto, “há conluios entre juízes e advogados” não difere de “a maioria dos deputados é corrupta” – pode revelar um descrédito nas instituições e serve de trampolim para projetos pessoais que desprezam as regras democráticas e enaltecem os portadores individuais das virtudes redentoras – vide o precedente histórico do caçador de marajás –, que apenas formalmente mantêm íntegras as instituições.

Espero que não seja o que está a ocorrer, mas não seria demais pedir à presidente da República que na próxima indicação de ministro a um dos tribunais de Brasília acrescente a profissão de fé democrática às exigências constitucionais de notável saber jurídico e reputação ilibada.
*PRESIDENTE DA AJURIS