terça-feira, 31 de março de 2015

" A Violência está também em nós ! "



ARTIGOS -  ANTONIO MARCELO PACHECO*


Vivemos na constante iminência da presença das violências, assim mesmo no plural. São violências simbólicas e violências físicas que assaltam sujeitos de grupos e espaços sociais distintos: são professores que apanham de pais e alunos, são adolescentes que matam por motivo fútil, são índices semanais de mortes no trânsito, são as ofensas, as injúrias que violentam a honra, a imagem e o nome de indivíduos e de grupos sociais.

É fácil responsabilizar o Estado como fonte primária dessa produção de violências que homeopaticamente vêm nos tornando imunes, passivos e domesticados ao reagir à violência. Sujeitos das violências que nos amedrontam, nos tornamos reféns desta mesma violência, (re)produzindo-a em tentativas desesperadas no nosso sobreviver.

Contudo, isto é impossível. As violências, precisamos reconhecer com certa dose de coragem, estão na sociedade, nos sujeitos e não somente nos representantes do Estado. Policiar a polícia que mata é uma obrigação cidadã, mas quem tem a coragem para policiar a sociedade sem precisar da farda para construir uma existência razoavelmente segura para a própria sociedade?

Quando pais partem para a agressão contra professores na frente de seus filhos adolescentes, quando jovens saindo de inferninhos que, fechados pela ação do Estado, são reabertos por este mesmo Estado, matam, quando agentes de trânsito são humilhados pela cor de sua pele a partir de preconceitos que estão em todos os grupos sociais, quando observamos que o Brasil tem um índice de homicídios que supera países que estão em plena guerra civil, é obrigatório reconhecer o que queremos desconhecer: temos participação nesse processo na medida de nossa irresponsabilidade.

As violências precisam reencontrar sua matriz básica que está no abandono da ideia de solidariedade, da condição de compromisso e da necessária percepção da empatia que nos torna igualmente sujeitos. Não iguais, mas todos humanos. As violências são sociais, muito mais do que institucionais e é preciso vencer o medo e protagonizar a resistência às violências mesmo que de forma anônima e mundana, mas sempre humana.


                        *Sociólogo e membro do Grupo Violência e Cidadania da UFRGS

" LEGAL , mas ANTIÉTICO "

Artigo ZERO HORA


CEZAR BITENCOURT[ Advogado criminalista]
 
Com o fundamento invocado da confessada falência do Estado para combater a dita “criminalidade organizada”, a eufemisticamente denominada delação premiada foi inaugurada no ordenamento jurídico brasileiro com a Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/90, art. 8º, parágrafo único). Como se tivesse descoberto uma poção mágica, o legislador contemporâneo acena com a possibilidade de premiar o traidor _ atenuando a sua responsabilidade criminal _ desde que delate seu comparsa, facilitando o êxito da investigação das autoridades constituídas. Com essa figura esdrúxula, o legislador brasileiro possibilita premiar o “traidor”, oferecendo-lhe vantagem legal, manipulando os parâmetros punitivos, alheio aos fundamentos do direito-dever de punir que o Estado assumiu com a coletividade.
É difícil admitir, sem qualquer questionamento ético, a premiação de um delinquente que, para obter determinada vantagem, “dedure” seu parceiro, com o qual deve ter tido, pelo menos, uma relação de confiança para empreenderem alguma atividade, no mínimo, arriscada, que é a prática de algum tipo de delinquência. Venia concessa, será legítimo o Estado lançar mão de meios antiéticos e imorais, como estimular a deslealdade e traição entre parceiros, apostando em comportamentos dessa natureza para atingir resultados que sua incompetência não lhe permite através de meios ortodoxos?
Num país onde impera a improvisação e tudo é desorganizado, como se pode aceitar que só o crime seja organizado? Quem sabe o poder público, num exemplo de funcionalidade, comece combatendo o crime desorganizado (que é a criminalidade de massa e impera nas grandes cidades, impunemente), já que capitulou ante o que resolveu tachar de crime organizado ou organização criminosa; pelo menos combateria a criminalidade de massa, devolvendo a segurança à coletividade brasileira, que tem dificuldade até mesmo de transitar pelas ruas das capitais. Está tornando-se intolerável a inoperância do Estado no combate à crimina­lidade, seja ela massificada, organizada ou desorganizada, conforme nos têm demonstrado as alarmantes estatísticas diariamente.

" O Governo me apontou UMA ARMA "

Artigo ZERO HORA


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PEDRO MOREIRA
Editor de Zero Hora
pedro.moreira@zerohora.com.br

Cheguei a uma conclusão: o assalto que sofri há algumas semanas faz parte de um plano de desenvolvimento tramado pelos governos. 

Como se trata de um planejamento intrincado das autoridades, vou explicar a ideia desde a raiz ao fato em si. É (bem) possível que a minha história seja parecida com a sua.
Vivo na zona sul de Porto Alegre. A bolha imobiliária, criada a partir do crédito facilitado e da ganância do mercado, fez com que a minha família desistisse da possibilidade de comprar uma casa na área central da cidade.
 Não moro no Extremo Sul, mas é longe, e as opções de ônibus e lotação que me levam até lá (táxi é impensável) só passam a várias quadras de onde trabalho. Ou seja, além de depender de dois modelos de transporte que não cumprem horários e têm boa parte da frota defasada, preciso caminhar, frequentemente à noite, por um trecho relativamente longo. E o caminho que tenho de vencer para pegar o transporte público é mal iluminado e sem qualquer resquício de policiamento. Em dois anos e meio que caminho à noite pela Avenida Ipiranga, da esquina com a Erico Verissimo até a Borges de Medeiros, vi duas ou três viaturas da Brigada Militar fazendo ronda.
Me parece óbvio, então, que o plano do Estado é me convencer a comprar mais um carro. Não basta o “carro da família”, partilhado. Preciso ter um só para mim, para garantir que eu não tenha de caminhar um quilômetro no escuro e sem policiamento.
 Com isso, serei um bom cidadão e ajudarei a girar a roda da economia do país: gastarei com o novo veículo boa parte do meu salário e economias, pagarei juros às financeiras nas parcelas do que não conseguir arcar à vista, gastarei com seguro, gasolina, IPVA, revisão. Gerarei empregos nas montadoras, nas companhias de seguros, nas financeiras, nos postos de gasolina, na Petrobras.
 Ajudarei os cofres públicos com o valor dos impostos sobre todos esses novos gastos.
No instante em que fui abordado, por volta das 22h30min de uma quarta-feira do início de fevereiro, muita coisa passou pela minha cabeça. No momento seguinte, quando o bandido tirou a arma da cintura e a apontou para mim, só me restou torcer para que o pior não ocorresse. Pensando depois, percebi que o ladrão _ alguém que provavelmente não teve grandes oportunidades na vida e viveu ao lado da criminalidade desde criança _ faz parte dessa engrenagem idealizada em gabinetes. Preciso acreditar que é tudo planejado, só pode ser isso. Porque, se não for, é muita incompetência.?

" A Defesa Do Ajuste "

Editorial Zero Hora


Edit
O Congresso não poderá adiar, em nome de discordâncias políticas muitas vezes dissimuladas, sua participação no debate em torno do programa de ajuste fiscal do governo. É consenso no setor produtivo e entre analistas econômicos que não há outra saída para o país. Nesta terça-feira, o parlamento terá mais uma chance de explicitar sua contribuição, antes mesmo da votação das medidas pelo Congresso, quando da explanação que o ministro Joaquim Levy fará no Senado. Essa será também uma boa oportunidade para que se revisem algumas interpretações apressadas sobre recente manifestação do titular da Fazenda, explorada politicamente com o objetivo de fragilizar as posições do guardião do ajuste.
Há evidente exagero nos que viram na afirmação do ministro uma crítica explícita ao comportamento da presidente da República, por este ter declarado que muitas vezes a senhora Dilma Rousseff não consegue efetividade em suas atitudes, apesar de agir de forma genuína. O ministro já se desculpou, e a própria presidente afirmou ontem que, ao contrário de se considerar atingida, tem o sentimento de que foi elogiada. O que os políticos devem fazer, a partir de agora, é dedicar-se ao debate consequente do ajuste, em vez de ficar tentando desqualificar as falas do ministro.
Se o Congresso não se transformar em aliado do plano de austeridade fiscal, a sociedade saberá, mais adiante, cobrar pela omissão ou pelo boicote a um esforço que deve ser de todos. Não se pretende que os parlamentares venham a aderir sem críticas ao conjunto de medidas que procuram racionalizar receitas e despesas. É natural que o parlamento, para cumprir plenamente sua função de legislar, questione as iniciativas do Executivo, proponha alternativas e, se for o caso, inclusive rejeite questões pontuais. Mas não pode se opor a uma necessidade inquestionável, representada pelos cortes de gastos em algumas áreas, para que a insegurança fiscal não continue imobilizando o setor produtivo.
Para que esse apoio se concretize, o ministro da Fazenda precisa apresentar, com total transparência, cada ponto do plano de recuperação das contas públicas e, por consequência, da economia. Ressalte-se que o próprio ministro já anunciou que o atual ajuste pode ser a primeira etapa de mudanças mais profundas na gestão das finanças da União, no sistema tributário e nas relações do governo federal com os demais entes federativos. Os políticos não podem simplesmente boicotar essas intenções, sem ao menos participar seriamente da sua discussão.

segunda-feira, 30 de março de 2015

"ASSISTIMOS O COMEÇO DO FIM. O PT TENDE A VIRAR UM ARREMEDO DO PMDB"

Frei Betto (Foto: Iara Morselli/Estadão)
 
Ícone do PT , Frei Betto diz que a única saída para o partido que governa o País há 12 anos é voltar às origens e buscar a governabilidade com os movimentos sociais.

Um mês depois de ser reeleita, a presidente Dilma Rousseff recebeu Frei Betto e o Grupo Emaús, da Teologia da Libertação, no Palácio do Planalto. Durante uma hora e vinte minutos, também na presença do chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, ouviu uma série de críticas e sugestões para que o governo continuasse “implementando o projeto que tanto beneficia a sociedade brasileira, principalmente os mais vulneráveis”.

A conversa, de acordo com ele, foi ótima. “Só que, de repente, vem o Joaquim Levy com um ajuste fiscal penalizando, sobretudo, os mais pobres. Quem assistiu ao filme Adeus, Lenin! pode fazer o seguinte paralelo: se um cidadão brasileiro, disposto a votar na reeleição da Dilma, tivesse entrado em agonia no início de agosto de 2014 e despertasse agora, neste mês de março, no hospital e visse o noticiário, certamente estaria convencido de que o Aécio havia vencido a eleição”.

Frei Betto – que, com as comunidades eclesiais de base, ajudou a fundar o PT e, como assessor especial do ex-presidente Lula, coordenou o programa Fome Zero – diz que o que falta ao governo, desde 2003, é “planejamento estratégico”. Segundo ele, que é amigo do ex-presidente Lula há mais de 30 anos e conhece a presidente Dilma desde a infância – “somos da mesma rua em Belo Horizonte” –, em doze anos de governo, o PT não conseguiu tirar do papel nenhuma reforma de estrutura prometida em seus documentos originais e, ao chegar ao governo, “trocou um projeto de Brasil por um projeto de poder, escanteou os movimentos sociais” e ficou “refém desse Congresso, dependendo de alianças espúrias”.

“Agora, seu grande aliado, o PMDB, se rebela e cria – com o perdão da expressão – uma cunha renana para asfixiar o Poder Executivo”.

Qual a saída? “O PT ser fiel às suas origens. Buscar a governabilidade pelo estreitamento de seus vínculos com os movimentos sociais. Fora disso, tenho a impressão de que estamos começando a assistir ao começo do fim. Pode até perdurar, mas o PT tende a virar um arremedo do PMDB”, sentencia ele, que é autor de 60 livros, entre eles A Mosca Azul (“uma reflexão sobre a história do poder e a história do PT no poder”) e Calendário do Poder (“um diário do Planalto”), ambos editados pela Rocco.

A seguir, os principais trechos da conversa com Frei Betto, que recebeu a coluna no Convento Santo Alberto Magno, no bairro de Perdizes, onde mora.

Como o senhor avalia o atual momento do País?
O Brasil está vivendo um momento de crise política e econômica. Prevejo quatro anos de governo Dilma com muita turbulência, manifestações, greves, impasses. E me pergunto se, em 2018, o PMDB apoiará o candidato do PT. Como bom mineiro, desconfio que não e não me surpreenderei se o PMDB lançar um candidato próprio, com apoio do PSB e outros pequenos partidos. A questão é que tivemos 12 anos de governo do PT que, na minha avaliação, apesar de todos os pesares – e põe pesares nisso –, foram os melhores da nossa história republicana, sobretudo no quesito social. Efetivamente, 36 milhões de pessoas deixaram a miséria. Hoje, os aeroportos deixaram de ser um espaço elitista. Se vamos em um barraco de favela, lá dentro tem TV a cores, micro-ondas, máquina de lavar, fogão, geladeira, telefones celulares, talvez um computador e, possivelmente, no pé do morro, um carrinho que está sendo comprado em 60, 90 prestações mensais. Porém, essa família continua no barraco, sem saneamento, em um emprego precário, sem acesso a saúde, educação, transporte público e segurança de qualidade. O governo facilitou o acesso dos brasileiros aos bens pessoais, mas não aos bens sociais.

O que faltou?
Não tivemos, em doze anos, nenhuma reforma de estrutura, nenhuma daquelas prometidas nos documentos originais do PT. Nem a agrária, nem a tributária, nem a política. E aí poderíamos acrescentar nem a da educação, nem a urbana. Em suma, o que falta ao governo – e desde 2003 – é planejamento estratégico.

Como assim?
Governa-se na base dos efeitos pontuais, da administração de crises ocasionais, porque o PT trocou um projeto de Brasil por um projeto de poder. Permanecer no poder se tornou mais importante do que fazer o Brasil deslanchar para uma nação justa, livre, soberana e igualitária. Como é que um governo que pretende desenvolver a nação brasileira cria um ministério que eu qualifico de coral desafinado? O que tem a ver Joaquim Levy com Miguel Rossetto? Kátia Abreu com Patrus Ananias? José Eduardo Cardozo com George Hilton?

Em artigo publicado pouco antes das eleições, o senhor listou 13 razões para votar na Dilma. Agora, escreveu novo artigo, A Farra Acabou, com críticas ao governo. O que mudou?
O que mudou é que, infelizmente, aquelas 13 razões não foram abraçadas no segundo mandato de Dilma. A presidente montou um ministério esdrúxulo, que não conseguiu nem sequer ter um projeto de Brasil minimamente emancipatório, como era o Fome Zero. Aliás, o próprio governo que o criou o matou, substituindo-o por um programa compensatório chamado Bolsa Família – que é bom, mas não tem caráter emancipatório. Todo o governo opera agora em função de um detalhe, não de um projeto histórico, que é o ajuste fiscal. E penalizando os mais pobres, não o capital. Todas as bases desse ajuste estão em cima da redução do seguro-desemprego, do abono salarial, do imposto sobre o consumo. E nada em termos das grandes heranças, dos royalties que saem do País, das grandes transferências de dinheiro, dos brasileiros que têm dinheiro nos paraísos fiscais. A conta vai ser paga por aqueles que já lutam com dificuldade.

O senhor quer dizer que estamos em um caminho sem volta?
O grave do governo do PT – tendo sido construído e consolidado pelos movimentos sociais – foi, ao chegar ao Planalto, ter preferido assegurar sua governabilidade com o mercado e com o Congresso e escantear os movimentos sociais. Hoje, eles são tolerados ou, como no caso da UNE e da CUT, manipulados, invertendo o seu papel. Com isso, o PT ficou refém desse Congresso, dependendo de alianças espúrias. Agora, o seu grande aliado, o PMDB, se rebela, cria – com o perdão da expressão – uma cunha renana para asfixiar o Executivo. Se alguém me pergunta “qual é a saída”? É o PT ser fiel às suas origens. Buscar a governabilidade pelo estreitamento de seus vínculos com os movimentos sociais. Ou seja, o segmento organizado, consciente e politizado da nação brasileira. Fora disso, tenho a impressão de que estamos começando a assistir ao começo do fim. Pode até perdurar, mas o PT tende a virar um arremedo do PMDB. Creio que cabe hoje, ao governo, fazer uma autocrítica séria.

Por meio dos movimentos sociais é que seria possível recuperar a imagem do partido?
Exatamente. O PT precisa sair da posição de bicho acuado em que se colocou. O partido, até hoje, não declarou se os envolvidos no mensalão são inocentes ou culpados; o partido, até hoje, não declarou se ele, que governa o Brasil e, portanto, a Petrobrás, tem ou não responsabilidade na devassa que está sendo feita na maior empresa brasileira. O partido se afastou das bases sociais. Onde estão os núcleos populares que, nos anos 80, encantavam todas as pessoas que chegavam na zona leste de São Paulo, em uma favela, e a dona Maria, orgulhosamente, mostrava um barracão que era a sede do núcleo do PT? Onde está o trabalho de base, de formação política? Embora não tenha sido militante do PT, mas como ajudei a construir o partido por meio do trabalho pastoral, hoje me pergunto: onde estão os líderes do PT que, aos fins de semana, voltam para as favelas e periferias? Onde estão os líderes do PT que não tiveram um assombroso aumento de seu patrimônio familiar durante esses anos, a ponto de não se sentirem mais à vontade em uma assembleia de sem-teto, em uma aldeia indígena, em um fim de semana em um quilombola? Onde estão eles? Existem. São raros. Não vou citar nomes, mas tenho profundo respeito por militantes e dirigentes do PT que são muito coerentes com aquele PT originário. Mas, infelizmente, eles são exceção.

Como disse recentemente a senadora Marta Suplicy, “ou o PT muda ou acaba”.
É como já disse, o PT tem de mudar no sentido de voltar às suas origens e às suas bases sociais. Acabar não vai, porque tem tantos oportunistas que ingressaram no PT como rampa de acesso às benesses do poder, que o partido tende, inclusive, a inchar de gente que não tem nada a ver com as suas origens. Dou um exemplo: curiosamente, coincidindo com o dia em que a presidente entrega à nação um pacote anticorrupção, no estado do Rio um prefeito é flagrado na corrupção. O que esse cidadão tem a ver com a história de um partido que, ao nascer, se afirmou por três capitais: ser o partido ético na política brasileira, ser o partido dos pobres e ser o partido que, a longo prazo, construiria uma alternativa ao País, com uma sociedade socialista? O PT abandonou os três capitais. Esse pessoal que não tem a ver com o PT viu que, sendo do partido, o maná cai do céu. Fico me perguntando quantos outros exemplos não devem existir por esse Brasil afora?

Poderíamos apontar um culpado por esse rumo diferente que o partido tomou? O ex-presidente Lula?
Jamais, na minha análise – isso é um princípio – personalizo os acontecimentos. Porque não acredito que a história humana seja feita por meio de salvadores da pátria. É feita de movimentos e processos sociais. É preciso que haja uma luta interna no PT muito acirrada para que o partido seja minimamente coerente com suas origens e propostas.

O senhor é a favor do “volta, Lula”? Ele poderia “salvar” o governo desta atual crise?
Minha avaliação é que Lula só não será candidato à presidência em 2018 se morrer. Fora isso, tenho absoluta segurança de que ele será candidato. Não foi ele que me disse isso, é apenas da minha cabeça. Mas a questão não é “com o Lula voltando, as coisas vão se resolver”. O problema é o rumo que o partido tomou e imprimiu ao governo do Brasil. Há coisas extremamente positivas, mas a expectativa era muito maior. Governo se faz com luta interna, aprendi isso nos dois anos em que estive lá. Governo é como feijão, só funciona na panela de pressão. Aquilo é um caldeirão em fervura permanente. Mas é preciso que haja alguns segmentos dentro do governo capazes de elaborar uma proposta estratégica a longo prazo, que sirva de norte para as políticas. E isso não existe hoje.

O que existe?
Um pacote de propostas pontuais. A falta de horizonte histórico no projeto do governo, agravada pelo fim das ideologias libertárias desde a queda do muro de Berlim, é o que explica por que o debate político hoje desceu do racional para o emocional. É como briga de casal. Quando se perde um projeto amoroso ou da família, emoções afloram, insultos, ofensas, sentimento de ira e vingança, porque não se tem horizonte. Quando esse horizonte histórico existe, quando se tem projeto estratégico, o debate democrático fica no nível da racionalidade, não da emocionalidade. Mas essa fúria nacional que perpassa todos os ambientes só vai terminar se houver alguma força política que aponte um projeto histórico.
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Reportagem por THAIS ARBEX
Fonte: Estadão 30/03/2015

" Quem torce contra o BRASIL?



Gostei de ver a frase de Renato Janine Ribeiro de sábado a domingo na capa de ZH online. A frase do novo ministro da Educação, reproduzida de um texto da sua página no Facebook, permaneceu ali como um reforço singelo ao bom senso: Incrível como há gente torcendo pelo Brasil.

E como há gente torcendo contra. Tem gente torcendo, há muito tempo, contra o pré-sal, que não valeria muita coisa mesmo e que vale quase nada agora que o preço do petróleo caiu. E a torcida contra aumentou quando o governo decidiu que o dinheiro dos royalties do pré-sal irá para a educação.

Torcem contra o Enem, o Prouni, o Bolsa Família. Tem gente que se diz liberal e torce até contra o ministro Joaquim Levy. O ajuste fiscal seria inevitável, mas não nessas circunstâncias. Numa hora como esta, o melhor é que nada dê certo.

Alguns esgoelam-se torcendo contra o pleno emprego, porque trabalho demais causaria inflação. Torcem contra o consumo, porque o povo não pode sair comprando como a classe média tradicional. Torceram contra o preço baixo da gasolina e pediram aumento para a gasolina. Agora, se queixam do preço da gasolina. Torceram até contra o juro baixo.

Torcem com bandeiras pela seca, para que a luz fique mais cara. Esbravejam contra a reforma política, porque beneficiaria as esquerdas, ora vejam. Torceram e torcem contra a Seleção, para que o futebol ajude na desestabilização política.

E vão torcer muito contra Janine. Porque Janine fará escolhas que desagradarão a parte dos hipnotizados pela extrema direita, os amplificadores da retórica e dos atos – a definição é dele – “de um ódio cabal aos direitos humanos”. No bonde dos intolerantes, onde já estavam homofóbicos, xenófobos e racistas, agora se acomodam, na janelinha, os golpistas.

Janine já disse isso sobre os discurseiros da intervenção militar: “Estamos tendo no Brasil uma tolerância, que é grande, com condutas antidemocráticas que deveriam ser tipificadas como criminosas”.


O ministro assume num momento em que nunca foi tão difícil ser de esquerda no Brasil e nunca foi tão fácil ser da extrema direita. Eu torço pelo Brasil e torço muito por ele.

" A ARTE DE FURTAR O POVO

 SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 29/03

Desde os romanos pão e circo têm sido a fórmula para angariar o apoio da plebe. Os maquiavéis da esquerda latino-americana, conforme o livro de Vargas Llossa sobre o perfil do perfeito idiota sul-americano, usam a mesma estratégia: acusam os ricos pela situação dos pobres. Passam a lhes dar migalhas para incluí-los numa suposta sociedade solidária. Com a ajuda de parte dos ricos, moralmente desfibrados e corruptos, aparelham o Estado para eternizarem-se no poder. O caso da Petrobras é emblemático. Somos, majoritariamente, um povo humilde, crédulo e desinformado, governado por incompetentes.

A Petrobras, em 12/12/2014, valia R$ 127 bilhões. Hoje, menos até do que o valor de quando Lula chegou ao poder. Entram em cena a má gestão e as opções de modelos de exploração inexequíveis, feitos mais pela ganância estatizante do que pela reflexão criativa. Vários são os motivos, todos por culpa dos governos Lula e Dilma, que abateram a maior empresa de petróleo e gás da América Latina.


Primeiro - Desde a posse de Dilma, no primeiro mandato, com a tese de nova matriz econômica, os preços administrados (tarifas de energia, telefonia, transportes, petróleo, gás e combustíveis) foram comprimidos para não aumentar a inflação causada pelo aumento dos salários acima da produtividade da mão de obra, pela inundação de crédito a juros baixos e pelos gastos imoderados do governo. A Petrobras perdeu R$ 68 bilhões (quebra de caixa) comprando no exterior mais caro e vendendo no país mais barato.

Segundo - Fez investimentos desastrosos em lugares não recomendados, mormente em refinarias, com sobrepreços de R$ 62 bilhões (Pasadena, Rio, Recife).

Terceiro - Com o argumento de incentivar a indústria brasileira, comprou equipamentos e serviços nacionais 30% a 40% mais caros, menos eficientes e entregues em prazo maior do que os de fornecedores no exterior. Cálculos de empresas especializadas indicam atraso na exploração do pré-sal, numa época em que o petróleo estava acima de U$ 120 (hoje está em R$ 50 o barril, a inviabilizar o custo do pré-sal).


Quarto - O modelo de exploração (partilha, com recebimento em óleo e participação obrigatória da Petrobras em 30% em todos os poços) elevou o endividamento da empresa. Com a subida da moeda norte-americana, a Petrobras viu a dívida subir R$ 48 bilhões nos últimos três meses.

Quinto - Durante os últimos cinco anos, foram pouquíssimas as áreas licitadas, impedindo que parceiros nacionais e internacionais se apresentassem nos leilões, perfurassem o fundo do oceano e retirassem mais petróleo e gás, justamente numa época em que o petróleo estava caro e o risco do pré-sal era considerado baixo (as reservas existem). Esses parceiros não se interessam mais em atuar no Brasil. De nada vale ter reservas se não temos dinheiro para investir, nem parceiros, nem preço que compense. O modelo deve mudar ou a Petrobras afunda de vez, a menos que o governo aporte socorro superior a R$ 100 bilhões para saldar dívidas e fazer investimento. Mas, nesse caso, a dívida pública subirá para 70% do PIB e o Brasil perderá o grau de investimento.


Sexto - Falta de gestão e corrupção, dois lados de uma só moeda. Da graça para a desgraça bastaram 12 anos de PT. O custo, ninguém sabe ao certo. Todavia, a dívida da empresa supera R$ 261,45 bilhões, a maior do mundo no setor.

O saudoso Tancredo Neves tinha razão: "Toda vez que o PT teve que escolher entre seus interesses e os do Brasil, escolheu a si próprio". O impedimento da presidente inepta, a ponto de ser tutelada por um Ministro (e que lhe fazia oposição), está na ordem do dia.

O afundamento da Petrobras vem do somatório dos erros políticos, gerenciais e estratégicos dos governos do PT. De um lado distribuem dinheiro a mancheia (Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida), de outro sugam o dinheiro da sociedade. Chamam a isso de corrupção endêmica e institucional. Só para remarcar, a Petrobras nunca foi do povo. Pertence aos acionistas. Quem não tem ação não é proprietário. O seu mal é ser do governo que lhe retira dinheiro em vez de petróleo.

A má gestão da Petrobras piorou depois da Lava-Jato. A corrupção, a que foi para o bolso de terceiros, é uma ninharia. Os contratos revistos é praxe de mercado. A estatal valeu-se do escândalo para não pagar a ninguém. A cadeia econômica do petróleo e gás, sem receber, está sendo destruída (10% do PIB), gerando desemprego e erosão de mais de 230 empresas antes saudáveis.
Enquanto não for privatizada, o país continuará a sofrer. Que se faça como na Noruega, ao menos isso. Cada norueguês é acionista, junto com o governo que administra um fundo soberano. A empresa de exploração de petróleo é administrada por um conselho de experts do setor privado. Se não der lucro, o governo substitui a governança.

" Reforma Política não se faz no supremo "

Artigo Zero hora


SEBASTIÃO VENTURA PEREIRA DA PAIXÃO JR.
Advogado

Para defender o financiamento público eleitoral, muitos dos seus simpatizantes têm alegado: “Empresa não vota; portanto, não pode financiar campanhas eleitorais”. O raciocínio, no limiar da superfície, parece perfeito; a questão, todavia, envolve lógicas mais profundas. Sim, empresa não vota, mas paga tributos, cria empregos, produz inovações, gera oportunidades de trabalho e induz o progresso econômico, humano e social da nação. Por assim ser, é natural que o setor empresarial tenha e lute por legítimos interesses políticos, exercendo a justa prerrogativa de participar dos destinos democráticos do país.
Oportuno lembrar que, quando da ditadura militar, a Lei 5.682/71 proibia o financiamento privado eleitoral (art. 91). Para manter o poder fechado, era preciso asfixiar a livre participação política, evitando-se que o empresariado nacional patrocinasse o surgir de novas lideranças públicas. Com a redemocratização, o paradigma legislativo foi alterado pela Lei 9.096/95, adotando-se o padrão da liberdade contributiva. Adicionalmente, como forma de garantir a lisura dos pleitos, foi estabelecido o fidedigno dever de prestação de contas à Justiça Eleitoral.
Apesar da clareza normativa, algumas contas partidárias acabaram inundadas por dinheiro ilícito, colocando em xeque a verdade das urnas. Nesse contexto nebuloso, o que temos que combater é a fraude nas contas eleitorais, e não o democrático direito das empresas de colaborarem com candidaturas políticas. Aliás, não existe dispositivo constitucional proibindo as empresas de contribuírem eleitoralmente. Tanto é verdade que, por mais de 20 anos, há eleições com contribuições empresariais sem qualquer tipo de questionamento quanto à validade dos pleitos pretéritos.
Sabidamente, por iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil, a questão foi judicializada e levada ao conhecimento do egrégio Supremo Tribunal Federal. O caminho, no entanto, soa impróprio. Isso porque estamos diante de uma questão fundamentalmente política, a ser tratada e debatida, prioritariamente, no Congresso Nacional. A função político-normativa da Suprema Corte não lhe permite ditar regras da alçada exclusiva do Poder Legislativo. Sem cortinas, a ânsia pela boa reforma política não pode gerar deformações constitucionais. Ou será que, no Brasil de hoje, se pode tudo e mais um pouco?

" Financiamento Democrático "

Artigo Zero Hora


CLÁUDIO BRITO
claudio.brito@rdgaucha.com.br
Jornalista
Vou direto ao tema, sem rodeios. Sou favorável ao financiamento público das campanhas eleitorais. Sem chance às empresas, sem torná-las donas daqueles que ajudaram a eleger, ou sem que sejam elas as reféns dos eleitos. É mesmo bem assim, confundem-se os corruptores e os corrompidos. Não se sabe mais se  os empresários financiam para corromper ou se, na verdade, são vítimas de extorsão. O certo é que há muita sujeira emporcalhando as relações entre o Estado e as empresas que se envolvem com o custeio milionário de comícios, folhetos, faixas, cartazes, viagens, gravação de programas de rádio e televisão, além de outras rubricas não declaradas. Diga-se que as prestações de contas não revelam o propósito de quem faz alguma doação. A ideia é sempre cobrar depois. Valores doados são  um empréstimo, cujo ressarcimento virá pelas vitórias em licitações fraudulentas.
Por isso, defendo o financiamento democrático, que derrube as desigualdades que o poder do dinheiro causa entre os candidatos. As campanhas eleitorais são caras demais, abusivamente dispendiosas. Que venham regras de limitação de gastos. Exigência inafastável será a de respeito máximo aos princípios republicanos e democráticos, o que implica proteger a igualdade.
Que venha logo a legislação adequada à depuração, mesmo antes de o Supremo Tribunal Federal chegar a decidir a ação promovida pela OAB para impedir o financiamento das campanhas pelas empresas. O julgamento está parado, aguardando o voto do ministro Gilmar Mendes, que pediu vista há um ano e ainda não anunciou quando irá votar. Seis já votaram para acabar com o financiamento pelas empresas, um para manter o quadro atual. Como os ministros podem mudar seus votos na retomada, a maioria estabelecida precisa ser confirmada antes da proclamação do resultado.
Antes que seja vencido o impasse no tribunal, o Congresso pode e deve agir, legislando.

" Compromisso com o Diálogo "

Editorial Zero Hora

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Ao escolher um professor com histórico reconhecido para comandar o Ministério da Educação, a presidente Dilma Rousseff finalmente rompeu o esquema de dependência e submissão aos partidos políticos que apoiam o governo no Congresso. O filósofo Renato Janine Ribeiro, ao contrário de seu antecessor, o ex-governador cearense Cid Gomes, do Partido Republicano da Ordem Social, não está na cota de nenhuma das legendas da base governista, ainda que tenha vínculos com o petismo. Porém, considerando-se seu currículo, é uma bem-vinda escolha técnica, que motiva a área educacional e abre espaço para o diálogo num setor essencial para o desenvolvimento do país.
Os desafios da educação são grandiosos. Para transformar o Brasil na “pátria educadora” prometida pela presidente, o novo ministro terá que enfrentar problemas crônicos num momento de aperto orçamentário. O primeiro repto é, sem dúvida, adotar medidas urgentes para qualificar o ensino básico para que o país deixe de produzir analfabetos funcionais e encaminhe sua juventude para uma vida mais produtiva e mais próspera.
Nesse sentido, 2015 será um ano emblemático, pois é ano de Prova Brasil para estudantes de 5º e 9º ano do Ensino Fundamental e 3º ano do Ensino Médio. Mais uma vez, portanto, o Ministério da Educação terá em mãos uma avaliação ampla da aprendizagem dos alunos brasileiros, especialmente em relação à leitura, à escrita e às operações básicas de matemática.
Também é dever do ministro recém nomeado tirar o Plano Nacional de Educação do papel e colocar em prática estratégias destinadas a ampliar o atendimento para crianças de até três anos e a oferecer educação em tempo integral para estudantes da rede pública, com o correspondente investimento na formação de profissionais para acompanhar o salto de patamar. E tudo isso sem deixar de lado programas voltados para o ensino técnico e superior, dos quais dependem milhares de jovens brasileiros para se desenvolver profissionalmente.
Ainda que não domine todas as áreas da educação que clamam por soluções urgentes, o ministro Renato Janine Ribeiro assume o  cargo com uma credencial promissora: seu compromisso com o diálogo. Os brasileiros que reconhecem a educação como instrumento essencial ao desenvolvimento certamente torcerão por ele.

domingo, 29 de março de 2015

" Dilma perde no emprego "

 VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 27/03


Últimas escoras de prestígio se desfazem, salários caem, consumo míngua, Nordeste cresce menos


O EMPREGO e o total dos salários pagos nas seis maiores metrópoles do país caiu de modo chocante em fevereiro, sobre fevereiro de 2014. O valor do salário médio diminuiu, coisa inédita desde outubro de 2011 e, antes disso, apenas em 2005.

Esses números deprimentes constam da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, divulgada ontem. Na semana passada, soubera-se que o total de gente empregada com carteira assinada caiu pela primeira vez desde o início de 2000 (queda de ano para ano).

A criação de emprego, que resistiu até 2014, era um dos últimos esteios econômicos possíveis para o prestígio de Dilma Rousseff, escora que se desfaz rapidamente.

Convém sempre lembrar que a situação, o nível, do mercado de trabalho ainda é o melhor em décadas. Além do mais, é preciso tomar cuidado com os dados de apenas um mês de estatística. Mas a deterioração no emprego, mesmo que não seja tão rápida quanto a do restante da economia, é acompanhada de choques de confiança na presidente, de redução da renda disponível e da freada rápida no consumo.

As condições materiais de vida, repita-se, são por enquanto melhores que faz cinco, dez ou vinte anos. Mas a parada súbita das melhorias e a revelação das mentiras do programa da campanha da reeleição da presidente provocam um surto de pessimismo econômico e de irritação política visto apenas em dias em que vida era muito pior e piorava.


Em março, o mau humor se generalizou pelo país, mostrou o Datafolha. A presidente perdeu o apoio também em seus bastiões restantes: os mais pobres, o Nordeste. O governo de Dilma Rousseff é ruim ou péssimo para 60% daqueles com renda familiar inferior a dois salários mínimos (65% para famílias com renda superior a dez salários). Ainda em fevereiro, essa avaliações eram, respectivamente, de 36% e 65%.

O governo de Dilma é ruim péssimo para 66% dos habitantes do Sudeste; 55% para os do Nordeste.

O consumo ainda cresce mais rapidamente em Estados do Nordeste (em relação ao começo do ano passado): 3,7% na Bahia e 2,4% em Pernambuco, por exemplo. Em São Paulo, o ritmo de alta anual caiu a apenas 0,8%. Na média nacional, a 1,8% (ante 4,3% em 2013 e 8,2% em 2013).

Mas a diferença entre o ritmo de aumento de consumo entre o Nordeste e Estados mais ricos já foi bem maior. Há convergência para a mediocridade. Para piorar, no Nordeste a taxa de desemprego começou ainda no início de 2014, enquanto na média do Brasil ainda diminuía.

Há regressão no número de empregos formais no conjunto do país e queda no número de pessoas empregadas nas grandes metrópoles. A queda recente mais forte ocorre no setor de serviços, que ainda deve sofrer muito (indústria e construção civil penam desde 2014, pelo menos).

O salário médio começa a cair puxado pelos rendimentos dos trabalhadores ditos informais, sem carteira e por conta própria. Começa a haver degradação da qualidade do emprego, que melhorara de modo brilhante nos últimos 20 anos.

Há menos salário, menos emprego, menos carteiras assinadas, menos consumo e menos confiança na capacidade de Dilma Rousseff, acuada num canto na praça dos Três Poderes. E o efeito do arrocho mal começou.

" O Ladrão egoísta "




Se me colocassem diante dos delatores que roubavam na Petrobras e dos presos que ainda negam que estivessem roubando, eu desprezaria uma conversa com o Cerveró, o Costa, o Fernando Baiano, o Duque e os empreiteiros.

Nem os empreiteiros me interessam muito. Todos, pagadores e recebedores de propinas, são medíocres demais como personagens. Os empreiteiros são medíocres como mafiosos, e os funcionários da Petrobras q
ue estavam a serviço deles são óbvios como ladrões. O tamanho do dinheiro roubado não tem correspondência nas figuras que roubavam.

Falta complexidade aos delinquentes da Petrobras. Nenhum deles seria um dos gângsteres da novela Babilônia. Que ator gostaria de interpretá-los?

Mas eu queria ficar diante do único personagem intrigante disso tudo. O ladrão avulso Pedro Barusco, que diz ter roubado sozinho US$ 97 milhões em propinas. O gerentinho de Serviços é o único com algum charme nisso tudo.

Barusco, o chalaça da Petrobras, era um subalterno do quinto escalão a quem poucos davam valor. Foi subindo até chegar ao estágio que lhe permitia ser corrompido.

Já confessou que começou a ser pago em 1997 ou 1998. Disse, modestamente, que era um ladrão de carreira. Agiu assim como avulso até 2003, quando se iniciou o governo Lula e suas articulações passaram a ter alguma efetividade (efetividade é uma palavra bastante repetida, para a mesma época, também pelos empreiteiros).

Foram pelo menos cinco anos como avulso, sem muita efetividade, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Sentado na sua mesinha, o gerente foi angariando simpatia e dinheiro, até chegar aos US$ 97 milhões guardados na Suíça.

No depoimento de quinta-feira à CPI, a ex-presidente da Petrobras Graça Foster disse que se envergonha do que aconteceu na empresa. E admitiu que ninguém entende como Barusco, um gerente, era capaz de receber tantos mimos dos empreiteiros. Esse é o grande personagem da Operação Lava-Jato, e não os outros mandaletes.

Barusco, o avulso que cuidava, lá no começo, apenas de óleo queimado, trabalhava para quem? Quem o habilitava a receber propinas? De quem era o dinheiro que levou para a Suíça? Quem acredita que toda a mala era dele? Quantas outras contas estão escondidas em outros lugares em nome do ladrão avulso?

O jornalismo, a PF, o Ministério Público e a Justiça nos devem as respostas. Graça Foster admitiu ter sido incompetente para encontrá-las. Mas alguém terá de dizer, para que o mistério não se perpetue, quem esquentava as costas de Barusco.

Se o jornalismo, a polícia e o MP falharem, ficará valendo a versão de que Barusco, o egoísta, agia sozinho porque os empreiteiros se afeiçoaram por ele. E estaremos condenados a acreditar que as investigações no Brasil, em algum momento, ficam pela metade.

Os investigadores são desafiados a descobrir a conexão de Barusco com a montagem, no final dos anos 90, da máfia dos empreiteiros, já confessada por um empresário. Se não descobrirem, terão comido pela mão do delator, até o limite do que lhe interessava informar. E isso – um calouro da academia de polícia sabe – não é investigação.


Barusco é o personagem que pode nos levar ao ovo, ao começo disso tudo, ao entendimento de como as grandes empreiteiras chocaram a corrupção, não só na Petrobras, mas em todo o setor público.